Folha de S. Paulo


Desperdício de alimentos pode impedir sustentabilidade urbana

Renato Stockler/Na Lata
Banco de alimentos
Com menos perdas, é possível melhorar fornecimento de alimentos sem desequilibrar produção

A concentração em núcleos urbanos tem servido de estímulo para o desenvolvimento de novas tecnologias e processos que facilitem a vida das pessoas. No século 19, previsões futuristas afirmavam que ao final do século 20 as pessoas nas cidades se alimentariam com pílulas e comidas sintéticas, assegurando que a agricultura se tornaria obsoleta.

Os prognósticos, obviamente, não se confirmaram. Ao contrário: a explosão populacional urbana, a volatilidade climática, e o aumento do desperdício de comida, segundo relatório do "Chicago Council on Global Affairs", obrigarão a aumentar de 90% a 105% a produção mundial de alimentos.

Alimentar a população urbana se tornou um desafio crítico.

Nas áreas rurais, os responsáveis pela produção de alimentos devem ampliá-la, mas de forma sustentável, para que seja possível suprir o progressivo aumento da população urbana.

A crescente urbanização mundial aumentará a demanda por comida nas cidades, e os governantes, até por questões políticas, preocupam-se com os custos do alimento para os consumidores urbanos.

A redução no preço dos alimentos é conveniente para os habitantes das cidades. Entretanto, não se pode dizer o mesmo para aqueles que trabalham no campo, especialmente os pequenos produtores.

Sob essa ótica, a rápida urbanização pode ter um efeito perverso sobre os produtores rurais, até mesmo induzindo à migração do campo para a cidade, agravando, de certa forma, os problemas urbanos e criando o que se poderia chamar de ciclo vicioso. Produzir alimentos com eficiência é fundamental para o equilíbrio de todo o sistema de ocupação territorial.

Por outro lado, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), aproximadamente um terço de todo alimento produzido no mundo é desperdiçado de alguma forma. Enquanto muitos investimentos são direcionados para aumentar a produtividade, quase nada é gasto para diminuir as perdas e os desperdícios.

Se conseguíssemos reduzi-los pela metade, poderíamos melhorar consideravelmente o fornecimento de gêneros alimentícios para as áreas urbanas, sem desequilibrar o sistema de produção.

Outra questão importante é a chamada "segurança alimentar", definida pela ONU como sendo a situação ocorrida quando todas as pessoas, a todo tempo, têm acesso físico e econômico aos alimentos indispensáveis para suprir as necessidades de uma vida saudável.

Essa definição envolve quatro dimensões principais: disponibilidade, estabilidade, segurança e acesso. E a urbanização afeta diretamente todas essas dimensões.

Ter recursos suficientes para permitir à população uma alimentação saudável é uma das dimensões mais importantes em áreas urbanas, onde os mais pobres gastam parcela considerável de seus rendimentos para comer.

Como consequência, o preço da comida assume papel extremamente importante na vida das cidades. Dessa forma, a segurança alimentar nas áreas urbanas está estreitamente ligada à pobreza urbana e ao poder de compra.

As cidades contribuem largamente para a emissão global dos gases de efeito estufa. Os sistemas alimentares são um dos conjuntos de atividades e operações que mais usam transporte dentro das cidades.

Dois terços dos resíduos orgânicos produzidos no mundo são originários do meio urbano. Por conseguinte, os sistemas alimentares das cidades podem desempenhar papel importante na promoção do "metabolismo urbano" sustentável.

A alimentação ocupa o centro da sustentabilidade urbana e territorial dentro da Nova Agenda Urbana, e uma mudança histórica crucial em relação a esse importante tema exige compreensão clara, compromissos e parcerias de múltiplos atores em todos os níveis.


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