Folha de S. Paulo


Direito à cidade só é possível em ambiente de economia inclusiva

A Nova Agenda Urbana aprovada em Quito, no Equador, durante o Habitat III, trouxe documentos importantes para sua implementação, dentre os quais as unidades de política urbana. Uma delas diz respeito ao direito à cidade.

O modelo de desenvolvimento aplicado às cidades nas últimas décadas foi claramente ineficiente no que tange à eliminação da pobreza urbana e ao desenvolvimento de padrões para inclusão social, problemas que se tornaram endêmicos nos assentamentos humanos.

O texto publicado pelo UN-Habitat que aborda o direito à cidade é estruturado sobre três pilares principais: justa distribuição espacial dos recursos, estruturação político-administrativa inclusiva, e diversidade cultural, social e econômica. Contudo, esses aspectos acabam tendo uma correlação transversal com outros temas, como estratégias de uso e ocupação do solo, governança, economia e meio ambiente urbano.

No que diz respeito à justa distribuição espacial dos recursos, o direito à habitação adequada e acessível é um dos aspectos de maior importância, e ainda um dos grandes desafios. A conexão deste dispositivo com as determinações da nova agenda urbana permite inferir que a legislação urbanística deve ser estruturada para comportar o uso de ferramentas, modelos urbanísticos e políticas habitacionais apropriados, que permitam uma produção acessível e adequada a todas as classes sociais.

A existência de áreas públicas em quantidade e qualidade adequadas é fundamental para a universalização dos espaços da cidade. O texto levanta a preocupação com eventuais efeitos negativos da privatização da administração de espaços públicos, em especial com relação à exclusão possível dos mais pobres. Porém, o importante é que os resultados pretendidos sejam alcançados e que a formatação dos modelos de operação e planejamento tire proveito da melhor eficiência do setor privado, considerando a mitigação de eventuais impactos inconvenientes.

A segurança é também uma dimensão indissociável do direito à cidade. Sem ela, amplifica-se a vulnerabilidade dos cidadãos quanto à livre utilização das áreas urbanas.

Outro aspecto relevante é o estabelecimento de políticas e mecanismos capazes de garantir a cobertura espacialmente equilibrada de infraestrutura e serviços, permitindo a todos, como ponto fundamental, usufruir as áreas urbanas.

O bem-estar dos cidadãos fica no centro desse direito, e não poderia ser diferente. As cidades são construídas para pessoas, e o crescimento econômico tem sentido se puder servir de alavanca do desenvolvimento para beneficiar a todos, principalmente os mais pobres.

Nesse aspecto, é grande a responsabilidade do setor privado como motor imprescindível do necessário e essencial desenvolvimento econômico, que deve acontecer sem deixar de lado o atendimento das necessidades humanas, com qualidade de vida, equidade e justiça social.

O direito à cidade somente será possível em um ambiente de economia inclusiva, onde a existência de empregos com justos e equilibrados salários permita aos cidadãos obter a renda necessária para desfrutar uma vida urbana digna.

Cabe lembrar que a relativização do respeito ao direito à propriedade não permitirá às pessoas o exercício pleno da cidadania, relativizando, também, o direito à cidade.

Até que ponto é justo permitir a algumas pessoas a ocupação dos espaços em detrimento de outras? O direito à cidade deve ser universal, mas fortemente vinculado a regras predeterminadas de convivência urbana, sob pena de o direito de alguns ser subjugado pelo pretenso direito de outros. O direito à cidade não é de alguns, mas de todos.


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