Folha de S. Paulo


A natureza dentro das cidades

Desde que o homem iniciou a construção do espaço urbano para sua moradia, existe o conceito preestabelecido de que as cidades são áreas produzidas artificialmente para atender os objetivos urbanos a que se destinam.

Por muitos anos, as cidades tiveram uma existência separada dos conceitos formais de natureza. Talvez, agora, seja o momento de pensar as cidades da mesma forma usualmente utilizada para analisar os ambientes naturais.

Na verdade, nem todos percebem que as cidades são compostas de ecossistemas urbanos que incluem a natureza e os seres humanos em um contexto ambiental parcialmente construído pelo homem, e que o processo de urbanização pode ser uma oportunidade para também administrar esses ecossistemas.

Os jardins das casas, por exemplo, podem abrigar uma biodiversidade significativa. Estudo realizado em 61 jardins urbanos na cidade de Sheffield, na Inglaterra, encontrou quatro mil espécies de invertebrados, 80 espécies de liquen (seres vivos formados por uma simbiose entre fungo e algas) e mais de mil espécies de plantas.

Segundo a "BBC News Science", as cidades podem ser um importante habitat para uma grande diversidade de abelhas que têm, nesses locais, uma dieta mais rica e saudável do que em determinadas fazendas de criação intensiva.

O mesmo estudo constatou que, das diversas espécies de pássaros que procuram habitar áreas urbanas, as que melhor se adaptam são aquelas que têm cérebros de maior tamanho, talvez para permitir que se ajustem às constantes mudanças e à diversidade da ambiência urbana.

Mesmo os pássaros das cidades precisam se adaptar às condições de vida locais. Estudo feito em 10 cidades europeias e nas florestas do entorno constatou que os pássaros que usam seu canto como forma de atrair o parceiro para acasalar cantam trinados mais altos, mais rápidos e mais curtos do que as mesmas espécies que habitam as florestas. Conclui-se que esse comportamento se deve ao fato de as aves terem de competir com os barulhos da cidade.

Por outro lado, a agricultura urbana pode contribuir enormemente para a conservação do solo e da hidrologia, e para a melhoria do microclima e da biodiversidade. O arranjo espacial das áreas verdes na cidade e sua conexão com o espaço no entorno das áreas urbanas pode ser, também, muito importante para a estruturação da matriz ambiental.

Ecossistemas urbanos podem ser significativos para a biodiversidade. Plantas raras podem ser cultivadas em jardins; flores que atraem borboletas podem ser plantadas em praças. Lagos e áreas úmidas em parques podem atrair uma grande variedade de organismos aquáticos. Todas essas ações, sem dúvida, têm considerável importância na biodiversidade urbana.

A urbanização é um fenômeno ao mesmo tempo ecológico e social, e a integração das ciências sociais e naturais no estudo dos ecosistemas urbanos é crucial. Portanto, há que se reconhecer que a ecologia urbana navega por um campo verdadeiramente multidisciplinar.

Os ecossistemas são interconectados. Não existe maneira de separar as cidades da natureza. Os sistemas socioecológicos são dominados por seres humanos, que não estão sempre no controle pleno das ações, embora a saúde ecológica dos sistemas urbanos dependa delas.

Não há duvidas sobre a importância de um aprofundamento nos estudos para conhecimento dos ecossistemas urbanos. O ambiente construído da forma correta pode tornar-se cada vez mais um aliado da biodiversidade, com reflexos positivos para a ambiência e a vida urbana.


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