Folha de S. Paulo


Trato e distrato na compra de imóveis

Comprar um imóvel, a casa própria, é um sonho a ser realizado por muitos brasileiros. Como um bem de alto valor, normalmente os imóveis não são adquiridos à vista e, portanto, os compradores necessitam de modelos de operação que incluam o financiamento para possibilitar a aquisição.

Nesses modelos incluem-se, além do financiamento, formas de aquisição do imóvel antes do início ou durante a construção, o chamado "imóvel na planta", que possibilita minimizar os custos de produção, permitindo que os preços finais sejam compatíveis com o poder de compra do possível comprador.

No momento em que os compradores comprometem-se a adquirir os imóveis de determinado empreendimento, os incorporadores iniciam o processo de construção do empreendimento, o que implica em assumir uma série de compromissos para comprar materiais e equipamentos, que devem começar a ser produzidos para que a obra seja entregue no prazo, como elevadores, portas, janelas etc.

Os recursos pagos pelos compradores durante a execução da obra, normalmente em torno de 20% do preço total do imóvel, são totalmente investidos na construção. Porém, não são suficientes para cobrir todo o custo de produção, e o incorporador tem de investir recursos próprios ou obter financiamento bancário, o que é mais comum.

No momento em que terminam as obras, o comprador recebe sua unidade e, ao mesmo tempo, assina o financiamento com a instituição financeira para pagamento do saldo do preço do imóvel e é nesse momento que o incorporador recebe o valor integral do preço combinado.

Com o recurso recebido, o empreendedor paga os empréstimos tomados para a construção, é reembolsado por outros custos de produção e recebe a remuneração no negócio.

Mas o que acontece se antes do término da obra o comprador, por alguma razão, desiste do negócio? Esse distrato, principalmente se ocorrer com um grande número de compradores, poderá causar sérios transtornos, não só para o incorporador, mas também para o empreendimento como um todo, inclusive os outros adquirentes que continuam a fazer parte do negócio.

Nesses casos, a lei estabelece que o consumidor tenha direito a receber em devolução parte do que já pagou. Porém, qual o montante justo e razoável para essa devolução?

Sendo o comprador o responsável pelo distrato, o justo é que não lhe sejam devolvidas as despesas irrecuperáveis efetuadas pelo vendedor na consecução do negócio. Além disso, é razoável que haja algum tipo de penalidade pela desistência do negócio.

Embora venha sendo gradativamente alterada a jurisprudência sobre este assunto, sentenças judiciais têm atribuído ao vendedor a possibilidade de reter apenas 10% a 15% do valor pago pelo comprador. Um raciocínio rápido pode mostrar a total incoerência de tal posição.

Suponham a aquisição de um imóvel pelo valor de R$ 500 mil, em que o comprador paga 10% de entrada, portanto, R$ 50 mil. Sem contar outros custos de venda e administração, somente a comissão paga pela intermediação da venda seria de aproximadamente R$ 20 mil. Assim, o vendedor recebe, efetivamente, R$ 30 mil.

No caso de um distrato nesse momento, como o vendedor que tem em seu poder R$ 30 mil recebidos do comprador poderia devolver-lhe, por exemplo, 85 % do valor pago, ou seja, R$ 42,5 mil?

Esse problema pode transformar-se em algo bastante sério, principalmente em momentos econômicos difíceis, como o que ora atravessamos. É fato que quando a economia está em pleno desenvolvimento, nenhum comprador desiste do negócio; ao contrário, revende o imóvel com lucro.

Para manter a saúde do mercado, é extremamente importante que se estabeleçam mecanismos que tornem menos frágeis os compromissos de aquisição de imóveis na planta.


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