Folha de S. Paulo


A música das cidades

A música é alimento da alma e influencia a vida das pessoas de várias maneiras. Ela está associada, muitas vezes, à cultura e à realidade de um povo.

Mas, qual seria a relação da música com as cidades?

Em primeiro lugar, as canções podem captar a história e o sentimento de uma localidade, de um bairro ou mesmo de uma rua.

Sem muito esforço, nós podemos lembrar várias composições que se associam, por exemplo, com a cidade de São Paulo.

"Lampião de gás", composta por Zica Bergami, celebra a capital paulista do passado, com crianças brincando nas ruas, casas com quintais e bondes circulando pela cidade, além de, logicamente, os lampiões de gás, que na década de 1930 iluminavam as ruas da cidade.

Dentre tantas outras músicas que se relacionam com São Paulo destacam-se, também, "Rapaziada do Braz", "Trem das Onze", que tornou o bairro do Jaçanã conhecido em todo Brasil, "Sampa", de Caetano Veloso, sem falar na famosa "Ronda", de Paulo Vanzolini, que retratam o centro de São Paulo, em especial a Avenida São João.

Segundo o jornalista e pesquisador Assis Ângelo, São Paulo foi tema para mais de três mil canções. A mais antiga delas chama-se "Missa a São Paulo" e foi composta em 1750. Entre os músicos mais conhecidos, um dos que mais compôs sobre a cidade foi Adoniran Barbosa, com 24 músicas.

Outro aspecto interessante é a relação entre o processo de composição na música e o planejamento urbano.

Enquanto o músico cria soluções melódicas sobre um campo harmônico específico, que deve ter consonância com o que será tocado pelos outros membros do grupo, o urbanista tem como base o tecido urbano e sobre ele as soluções propostas, que devem estar em harmonia com as necessidades da comunidade.

Em alguns trechos, a "sonoridade" será exatamente a prevista; em outros, pode haver alterações, que mesmo dentro do "campo harmônico" correto, não puderam ser adequadamente antecipadas, pois em razão do dinamismo e da complexidade do funcionamento da cidade, muitas vezes, como na música, a improvisação faz parte do processo de construção urbana.

Como no arranjo de uma sinfonia, um plano urbanístico estabelece tempo, intensidade e forma de intervenção para cada um dos integrantes do processo de desenvolvimento. Logicamente, se cada participante não desempenhar a sua parte da forma preestabelecida, a "sonoridade" não será a esperada.

O Plano Diretor de uma cidade pode ser considerado como a partitura que é entregue aos músicos ou, no caso das cidades, aos cidadãos, para que a interpretem dentro da forma e precisão estipuladas. O resultado final depende, portanto, não só da qualidade da partitura, mas também da proficiência dos músicos que a interpretam.

Por outro lado, se analisarmos os sons emitidos pela própria cidade, perceberemos que nem sempre são tão agradáveis. Buzinas, motores, pessoas gritando, máquinas operando, dentre tantos outros.

Baseado na existência desses sons, o artista Marc de Pape desenvolveu um aparelho composto por sensores capazes de captar os sons, conforme eles se aproximam, e transformá-los em notas de xilofone; e os sons que se afastam ganham sonoridade de cordas, sendo a tonalidade determinada em função da temperatura ambiente.

O resultado é uma banda sonora, que tem como base o timbre da própria cidade, cujas composições musicais refletem a rotina de determinado espaço e o momento urbano.

Em pouco tempo poderemos escutar os espaços geográficos das cidades em forma de músicas compostas a partir da ambiência sonora de seu próprio entorno.


Endereço da página: