Folha de S. Paulo


O direito à propriedade e o direito à moradia

Sem entrar no campo da filosofia política ou do direito constitucional, ter direito à propriedade é ter direitos sobre aquilo que lhe pertence. É um direito moral e natural àquilo que você conquistou de forma lícita, de acordo com os padrões e as condições de contorno legalmente existentes. Isto implica em possuir, usar e dispor livremente daquilo que é seu, dentro de determinadas regras. É neste ponto que surgem dúvidas e distorções. A relativização deste direito, aparentemente tão claro, de forma equivocada pode trazer seríssimas consequências para o desenvolvimento de uma sociedade equilibrada.

Estamos falando de um direito que é bastante amplo, e que passa pela propriedade do nosso corpo, pela propriedade intelectual, pela propriedade de bens materiais e imateriais. Enfim, passa pelo direito dos seres humanos terem a propriedade sobre coisas tangíveis e intangíveis, algo complexo para uma discussão objetiva.

Gostaria, contudo, de focar esta breve análise no direito à propriedade imobiliária, e suas consequências no desenvolvimento econômico e social.

A existência deste direito é incontroversa, mas o que não parece tão evidente são as condições de contorno que envolvem sua aplicação.

Por que alguém deveria ter o direito inviolável de possuir, usufruir e dispor livremente de uma casa para si e sua família? Não é difícil entender a importância da manutenção deste direito à propriedade privada no equilíbrio da vida em sociedade. É compreensível a importância econômica do pleno exercício da propriedade deste bem para aquela família.

Se é tão importante que as pessoas tenham direito a uma propriedade para si e sua família, por que, às vezes, torna-se tão difícil compreender a necessidade de termos um sistema que permita, de forma justa e segura, que o maior número possível de cidadãos atinja este objetivo? Qual o papel da indústria imobiliária neste processo?

Dentre as inúmeras e relevantes funções desempenhadas pela indústria imobiliária no contexto econômico e social do nosso país, está a democratização da propriedade privada e, com isto, a redistribuição de oportunidades, promovendo a conexão do direito à moradia digna e do direito à propriedade.

Cada vez que a indústria imobiliária produz, por exemplo, um loteamento, uma única propriedade privada é dividida em áreas públicas, que se tornarão propriedade de todos, e o restante fracionado em várias porções destinadas ao uso privado. Estas porções privadas, denominadas "lotes", tornar-se-ão propriedade de centenas de pessoas que irão adquiri-las. Portanto, de forma lícita, e de acordo com os padrões e as condições de contorno legalmente existentes, adquirirão o direito a uma propriedade para abrigar sua família. Não há dúvidas que este direito deve ser respeitado.

Igualmente, na construção de um edifício residencial cria-se, a partir de um terreno, uma série de propriedades cujos direitos, da mesma maneira e com os mesmos objetivos, serão adquiridos pelos futuros moradores.

A aquisição da propriedade implica em obter também os direitos sobre ela, sem o que pouco valor ela teria. De que valeria adquirir uma casa própria se, a qualquer momento, o seu direito sobre ela pudesse ser relativizado, a tal ponto de possibilitar o risco de perder os esforços dispendidos para conquistá-la? É, no mínimo, injusto.

É fundamental, portanto, entender que, se as condições para a manutenção deste mesmo direito à casa não forem estendidas à propriedade de forma mais ampla, não será possível à indústria imobiliária, no cumprimento de sua importante função para desenvolvimento da sociedade brasileira, produzir de maneira segura e eficiente os espaços necessários para moradia, trabalho e lazer.


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