Folha de S. Paulo


Em três dias, 30 mulheres já sofreram estupros coletivos no país

Karime Xavier/Folhapress
TERESINA / PIAUÍ / BRASIL - 08/08/17 - :00h - ESTUPRO COLETIVO - ANA (nome fictício)18, estudante foi vítima do estupro coletivo de Castelo do Piauí, no ano de 2015. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***COTIDIANO
A estudante Ana (o nome fictício), 18, foi vítima de estupro coletivo em Castelo do Piauí, em 2015

Nós somos a Índia, hoje. O que faremos diante disso? A pergunta que encerra o editorial desta Folha no último domingo sobre a reportagem dando conta que o Brasil registra DEZ casos de estupro coletivo por dia me persegue desde então.

Nem estou levando em conta que o número real dessa barbárie deve ser muito maior, já que nem todas as vítimas procuram um hospital para atendimento ou a polícia para dar queixa. Vamos ficar então "só" nos dez casos por dia. Eles já são suficientes para revirar o estômago.

Há outros números que nos assemelham ou até nos colocam à frente da selvageria indiana. Lá, a estimativa é de um caso de estupro a cada 21 minutos. No Brasil, é de um caso a cada 11 minutos, segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A Índia é tida como um dos piores países do mundo para uma mulher viver. Além do preconceito machista e da impunidade, que também assistimos por aqui, lá existem convenções sociais arcaicas, com sistemas de castas e religiões que priorizam os homens em seus ritos e dogmas.

Em dezembro de 2012, a Índia foi alvo de protestos mundiais após uma jovem de 23 anos sofrer estupro coletivo dentro de um ônibus em Nova Deli e morrer dias depois em razão dos graves ferimentos. A repercussão do caso resultou em uma redução de 25% de turistas no ano seguinte.

A indignação também forçou as autoridades a promover mudanças na legislação, que passou a prever pena de morte para casos brutais, sentença que foi aplicada aos agressores da universitária. Mas o endurecimento das leis não tem se mostrado eficiente para intimidar os estupradores. A impunidade (pouquíssimos agressores vão a julgamento e são condenados) e o silêncio da família (na maioria dos casos, o estuprador é parente ou conhecido) continuam falando mais alto.

Nesse sentido, também nos assemelhamos à Índia. No Brasil, ainda assistimos um Estado brasileiro míope na forma de lidar com a violência contra a mulher. Falta preparo da polícia e do sistema criminal como um todo para receber as vítimas que têm coragem de denunciar o crime. Que sentido há em perguntas como qual roupa a mulher vestia, se estava bêbada ou andando sozinha tarde da noite? Na Justiça, o descaso continua. Nem 10% dos estupradores são condenados.

O combate dessa violência passa por um Estado mais bem qualificado para acolher essa mulher e para responsabilizar de forma inequívoca os criminosos. Envolve também educação sexual adequada, ancorada no respeito às outras pessoas, na compreensão do que é limite, do que é consentimento.

Muitos ainda torcem o nariz para o termo "cultura do estupro". Mas ele simboliza muito bem essa nossa sociedade adoecida, que aceita o estupro como parte do cotidiano e que o corpo feminino está ali para ser violado. Quando o crime acontece, a culpa é da mulher. Ah!, ela provocou, ela estava bêbada. Sobre isso, o médico Drauzio Varella tem ótima frase: "eu já bebi e muitas vezes eu passei do ponto, mas nunca fui estuprado".

Os estupradores, por sua vez, possuem sempre uma resposta pronta: "ela consentiu". Aos olhos da sociedade, eles são "uns loucos". E nessa toada a violência sexual segue em ritmo crescente no país. O caso de estupro coletivo na Índia chocou o mundo em 2012. Ano passado, o caso da jovem de 16 anos estuprada no Rio por vários homens chocou o Brasil. Houve passeatas e inúmeras discussões.

Desde a publicação da reportagem da Folha no domingo, ao menos 30 mulheres já sofreram estupros coletivos no país. Ana, 18, uma das sobreviventes do estupro coletivo em Castelo do Piauí, segue sentindo medo da própria sombra. O que mais a sociedade brasileira está esperando para se indignar? Um novo vídeo com cenas da barbárie? Uma nova mulher morta? O que mais?


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