Folha de S. Paulo


Perdoar não significa ser permissivo e pode evitar que mágoa afete a saúde

Rivaldo Gomes/Folhapress
Legenda: Pessoas meditam em evento de ioga pela paz no Ibirapuera
Pessoas meditam em evento de ioga pela paz no Ibirapuera

Costumo ter os dois pés atrás em relação aos meses coloridos, tidos como de conscientização de alguma doença, como outubro é rosa, novembro é azul, dezembro é laranja e por aí vai. Na sua maioria apoiados por laboratórios farmacêuticos, esses eventos nem sempre se traduzem em mais saúde e, segundo especialistas, podem levar a consultas e exames desnecessários.

Neste mês, porém, gostei do mote do agosto violeta, dedicado ao mês do perdão. O movimento é alusivo ao dia 30 de agosto, decretado "Dia Nacional do Perdão". Ele foi inspirado na morte do garoto Ives Ota, sequestrado e assassinado brutalmente há 20 anos. Seus pais dizem que perdoaram os assassinos.

Em tempos de tanta impunidade e intolerância, até parece ingenuidade ou pieguice falar em perdão. Antes de mais nada, porém, é preciso dissociar o perdão da permissividade. Cada um é responsável pelos seus erros e deve pagar por eles. A questão é que nutrir ódio ou raiva só traz prejuízo para quem os mantêm.

Percebo o efeito da mágoa e do ressentimento na vida de amigos e familiares. Tenho parentes idosos que ainda hoje carregam ressentimentos de 60, 70 anos atrás, alguns de pessoas que morreram há muito tempo. Sinto o quanto esses sentimentos os aprisionam em um círculo vicioso e os impactos negativos desse processo, que muitas vezes se dá de maneira inconsciente.

Há vários estudos na área da psicologia que tratam dos benefícios do ato de perdoar. Um deles, publicado no periódico científico "Psychology Journal of Health", mostra que pessoas com mais facilidade para perdoar a si mesmas e aos outros estão mais protegidas dos males do estresse. Outro, publicado no "Personal Relationships", mostrou que quando uma pessoa perdoa a outra, apresenta redução da pressão arterial.

Uma pesquisa do centro médico da universidade Duke demonstrou que pessoas com dores crônicas nas costas sentem menos desconforto quando conseguem perdoar quem as magoou em relação às outras que não praticaram o perdão. Técnicas de meditação e de terapia cognitiva comportamental estão entre as estratégias utilizadas para estimular o ato de perdoar.

No livro "Perdão, a revolução que falta" (editora Gente), a autora Heloísa Capelas cita outros trabalhos que vão nessa mesma linha e acrescenta os benefícios do perdão à saúde emocional. "Se continuamos presos aos acontecimentos negativos do passado, criamos uma espécie de fechamento mental que nos impede de seguir adiante, de enxergar novas possibilidades e, enfim, de viver melhor e mais plenamente", disse ela em entrevista à "Livraria da Folha".

Embora estudos dessa natureza não possam afirmar categoricamente de que forma o perdão pode proteger a saúde das pessoas, os pesquisadores acreditam que os mais tolerantes tenham mais habilidade para lidar com as adversidades da vida.

Nos Estados Unidos, existe até uma fundação dedicada a buscar fundos para pesquisas sobre o perdão. Uma delas, realizada pela Universidade Stanford, demonstrou que, sim, é possível aprender a perdoar. Um grupo de 259 pessoas que tinham conflitos e mágoas não resolvidos, com idade média de 40 anos, foi treinado a perdoar por seis semanas, durante sessões de 90 minutos cada.

Perdão, a Revolução que Falta
Heloísa Capelas
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Os métodos utilizados foram palestras, apresentações de imagens, discussões cognitivas e conversas. Os pacientes tiveram uma diminuição de 70% nos sentimentos de dor, de 13% no grau de ódio que sentiam, 27% nos sintomas físicos (como dores nas costas, tontura, dor de cabeça e de estômago) e 15% menos estresse emocional e um aumento de 34% na vontade de perdoar as pessoas que as tinham ferido.

Em seu livro, Heloísa Capelas dá dicas de exercícios práticos para que o leitor possa identificar suas próprias mágoas e, também, para que consiga deixá-las no passado a partir do círculo virtuoso do perdão e do autoperdão. Sim, podem torcer o nariz, é autoajuda pura, não tem nada de medicina baseada em evidência. Mas, quem sabe, pode ser uma ferramenta útil para aqueles que carregam tantos fardos pesados e inúteis ao longo da vida.


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