Folha de S. Paulo


Estudo encontra substâncias proibidas em fórmulas de emagrecimento

Tony Alter/Flickr
Obesidade. Duas pessoas obesas estão sentadas em um banco
Mais da metade da população brasileira está acima do peso

Com mais de metade da população brasileira acima do peso, o que não falta é gente querendo levar vantagem com a venda de produtos suspeitos, que prometem verdadeiros milagres.

A Proteste (Associação dos Consumidores) fez um estudo de cenário, uma espécie de "fotografia" de um determinado momento sobre um tema que se quer analisar. O trabalho não tem valor científico, estatístico e muito menos permite generalizar a atuação dos profissionais envolvidos. Mas os resultados são preocupantes e servem de alerta.

O objetivo do estudo foi avaliar remédios para a perda de peso prescritos por médicos e feitos em farmácias de manipulação. Cinco pacientes consultaram-se com 11 "médicos de emagrecimento" (como eles se intitulam) em diferentes cidades do Rio de Janeiro. Após as consultas, as receitas foram encaminhadas para as farmácias de manipulação indicadas pelos médicos. Aos receber os medicamentos, a Proteste os encaminhou, ainda lacrados, para análise em laboratório.

Das 29 fórmulas prescritas pelos médicos, oito apresentavam substâncias que podem causar sérios efeitos colaterais e que não estavam prescritas nas receitas. Foram encontrados diazepam, em uma fórmula; femproporex em duas e sibutramina em outras cinco.

O diazepam é usado em tratamentos de ansiedade e pode acarretar efeitos colaterais como sonolência, tontura, prejuízo à memória e fadiga. A sibutramina é proibida na Europa e nos EUA, mas tem venda permitida no Brasil, É usada como coadjuvante no tratamento da obesidade e, entre os efeitos adversos, pode levar ao aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca.

Já o femproporex é um inibidor de apetite. Entre os efeitos, pode causar dependência, tremores, irritabilidade, insônia, confusão, palpitação, arritmia cardíaca, dores no peito, hipertensão, boca seca, náusea, vômito, diarreia, agressividade, ansiedade e pânico. O medicamento nunca foi registrado nos EUA e, em 1999, foi proibido na Europa.

Segundo a Anvisa, até o dia 24 de abril de 2017 (data da consulta feita pela Proteste), não existiam medicamentos registrados no país com femproporex. Portanto, nenhum produto contendo a substância pode ser vendido ou consumido em território nacional. As três substâncias são de uso controlado e, para comprá-los, é necessária a apresentação de receita especial.

O estudo constatou também suspeita de infração ética envolvendo consultórios médicos e farmácias de manipulação. O Código de Ética Médica proíbe ao profissional interagir ou indicar farmácias para compra de medicamentos recebendo vantagens sobre isso.

Na maioria dos casos avaliados pela Proteste (90%), os médicos, por meio das secretárias, contataram diretamente as farmácias indicadas para solicitar o orçamento. Após isso, os estabelecimentos ligaram para o paciente informando o custo. Os preços das receitas ficaram entre R$ 263 e R$ 660.

Em um caso específico, o paciente não teve acesso à receita prescrita. Ela ficou retida com a secretária do médico, que contatou diretamente a farmácia, não dando oportunidade ao paciente de manipulá-lo em outro estabelecimento.

A Proteste enviou um ofício à Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais (Anfarmag) e à Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), pedindo que orientem seus profissionais e os informem sobre as penalidades a que estão sujeitos. As farmácias também foram denunciadas à Anvisa e à Vigilância Sanitária do Rio de Janeiro.

É muito importante que você, paciente, saiba sempre o está tomando e questione seu médico sobre os eventuais efeitos colaterais de medicamentos e suas interações com outros remédios. Também deve manter consigo uma cópia da prescrição.

E, por fim, desconfie de consultórios que já tiram da manga uma indicação de farmácia de manipulação "de confiança", sem ao menos você pedir. É a sua saúde e o seu bolso que estão em jogo.

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Após a publicação desta coluna, a Anfarmag (Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) enviaram as seguintes notas:

"Diante da denúncia exposta, entendermos ser fundamental reforçar que práticas como as alegadas no texto representam um efetivo prejuízo para a sociedade. É fundamental que os médicos e as empresas citadas nesses episódios sejam investigados pelas autoridades competentes e, se comprovada irregularidade, sejam punidos de acordo com a legislação vigente.
Reforçamos também a orientação de que o paciente não deve, sob nenhuma hipótese, aceitar que, ao prescrever uma substância, em vez de lhe entregar a receita, o médico a encaminhe diretamente para uma farmácia. Caso o paciente peça indicação de farmácia, o médico pode apenas fazer sugestões. Porém, em todas as situações, sem exceção, a decisão final sobre em qual farmácia o produto será preparado precisa ser, sempre, do consumidor.
Por fim, aproveitamos a oportunidade para reafirmar que a atividade de manipulação de medicamentos no Brasil é regida por uma legislação extremamente rígida e completa, considerada como referência internacional, que garante a segurança e a eficácia do produto final. A população pode optar por medicamentos manipulados com total confiança e tranquilidade.
Ao escolher a farmácia de manipulação, o consumidor deve verificar se o estabelecimento exibe, em local visível, documentos como Autorização de Funcionamento e Licença de Funcionamento. Além disso, deve sempre solicitar a presença de um farmacêutico responsável técnico.
A Anfarmag reafirma seu compromisso com as regras e leis vigentes em nosso país e sua constante preocupação com o bem-estar e a saúde da população brasileira."

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"Há décadas tentamos coibir a má prática médica como exemplificada nos casos vergonhosos descritos. Isso não é tratamento da obesidade. Essa não é a abordagem recomendada pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, que costumeiramente alerta para que os médicos não façam prescrição de associações de diversos remédios em formulações manipuladas, além de advertir aos pacientes para que fujam desses tratamentos, que ferem a ética e não têm fundamentação cientifica. É capital salientar que existe tratamento ético e seguro, com medicamentos submetidos a anos de estudos em milhares de pacientes, como o orlistate, a liraglutida, a lorcaserina (ainda não comercializada) e, inclusive, a sibutramina, citada no estudo da Proteste."

Maria Edna Melo, endocrinologista e presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)


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