Folha de S. Paulo


O primeiro Dia das Mães sem mamãe

Silvia Rodrigues
Ilustração Matéria Dia das Mães
Ilustração Dia das Mães

Hoje será um dia difícil. O primeiro Dia das Mães sem minha mãe. O primeiro aniversário, o primeiro Natal e o primeiro Ano Novo foram igualmente difíceis, dolorosos lembretes de que ela não está mais fisicamente aqui.

O luto é doído assim mesmo. Não existem atalhos. Já me acostumei com as explosões súbitas de choro quando alguma cena, alguma lembrança me remete a ela. E não tem sido diferente nessas datas marcantes.

"Ela estará sempre com você", dizem os amigos. Em tese, eu sei disso. Mas por que então eu continuo me sentindo tão só, tão órfã mesmo com tanto apoio e carinho ao meu redor?

Tenho consciência de que a magnitude da dor é diretamente proporcional ao tamanho do meu amor. E também sei que sou uma sortuda de ter amado tanto essa mulher e ter sido tão amada por ela.

Uma das formas de curar a dor tem sido lembrar dela, falar sobre ela. Passei a semana fazendo esse exercício, rindo e chorando com as lembranças dessas quase cinco décadas de convivência e cumplicidade com minha mãe.

Lembrei-me do primeiro dia de aula na escola primária. Saí atrasada e esqueci a lancheira. Na hora do recreio, lá estava ela com um pão com ovo quentinho, o meu sanduíche preferido.

Uma lembrança puxa a outra. Um dia, no terceiro ano, minha mãe pediu licença à professora e, na frente de todos, deu um recado nada amistoso a uma menina (dois anos mais velha e mais forte do que eu) que ameaçava me bater por eu ser a "queridinha" da professora.

"O pai da Cláudia é muito bravo. Se não parar, ele virá aqui e vai bater em você com a corda que ele amarra o gado". É claro que a molecada não perdoou e eu virei motivo de piadas. A menina? Não se intimidou e me pegou na saída. Mesmo em desvantagem, eu a enfrentei puxando seus cabelos. Saí com uns bons chumaços na mão...

Em 1978, vi pela primeira vez minha mãe devastada pela dor da perda do meu irmão caçula por afogamento. Nunca mais esqueci. Aos dez anos, tive a exata noção de que meus pais morreram um pouco ali. E eu e minha irmã também.

Mas a vida se renova. E também estão vivas dentro de mim as cenas da sua alegria na minha festa de 15 anos, o orgulho de ver as filhas formadas, a felicidade sem fim quando soube que seria avó e seu entusiasmo com os nossos passeios mensais.

Sei que encontrarei formas de reinventar o Dia das Mães, de transformar a tristeza da ausência em agradecimento pelo tempo que tive com ela. No luto, estou aprendendo muito sobre auto-compaixão, a ser gentil comigo mesma, a respeitar cada fase desse processo.

Aos que se sentem órfãos pela falta de suas mães, convido-os a transformar o dia de hoje em uma data de gratidão. Por tudo.


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