Folha de S. Paulo


Baralho ensina como tratar de questões ligadas à morte

bark/Flickr

Por que é tão difícil falar sobre a morte? Por que as conversas ainda vêm com um inexplicável peso quando se trata de discutir a verdade mais incontestável de todas: sim, vamos todos morrer.

Falar sobre a morte ainda é um tabu para a população em geral e, também, para muitos profissionais da saúde. As pessoas não têm o hábito de conversar com seus familiares sobre como gostariam de ser tratadas, caso tenham uma doença grave. Com isso, ficam expostas a intervenções que não correspondem aos seus desejos.

Penso nisso todas as vezes que circulo por UTIs de grandes hospitais e vejo pacientes terminais, às vezes muito idosos, ligados a respiradores artificiais. Será que eles desejaram isso? Quem em sã consciência prefere morrer assim?

Minha mãe teve a oportunidade de manifestar sua escolha. Um dia antes de morrer, de um câncer avassalador no fígado, disse que o maior medo que tinha era ficar doente por muito tempo.

Também abominava a ideia de acabar seus dias na UTI. Então, diante do agravamento do quadro e entre a opção de entubá-la ou ressuscitá-la caso tivesse uma parada cardíaca, decidimos pelos cuidados paliativos.

Com um sorriso, ela se despediu de mim, de minha irmã e do meu pai. Não cheguei ainda àquele estágio espiritual elevado de achar a morte bonita. Não tem nada de bonito quando se trata de despedir para sempre da pessoa que mais amamos na vida. Apego? Sim, não nego.

Para mim, porém, ficou um certo misto de conforto e alívio de saber que o sofrimento de mamãe foi breve, de que até um mês antes da sua morte estávamos tomando chope juntas. É essa lembrança que carrego dentro de mim e que tento sobrepor às doídas recordações das poucas horas de dor que ela viveu dentro do hospital.

Mas nem sempre é fácil falar sobre o que desejamos no fim da vida, especialmente quando ela está realmente chegando ao fim.

Publicadas no Brasil em 2012, as chamadas "Diretivas Antecipadas de Vontade" ainda são pouco conhecidas. Elas têm como objetivo possibilitar que a vontade do indivíduo seja respeitada até o momento de sua morte.

Ao registrar em cartório esse documento, as pessoas apontam os procedimentos que desejam receber, ou não, na fase final de doenças como demência, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica ou câncer, quando já não existe possibilidade de reversão do quadro.

Além disso, podem nomear um procurador de saúde, que será a pessoa responsável por assegurar que suas vontades sejam conhecidas e acatadas. "

Para dar uma "forcinha" e promover um diálogo sobre um tema tão delicado quanto à morte e as escolhas no fim da vida, a SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) acaba de lançar no Brasil o jogo "Cartas na Mesa" (Go Wish®).

Trata-se de um baralho de 36 cartas que pode ser jogado em duas modalidades: paciência (individual) ou em duplas. É direcionado tanto a profissionais da saúde quanto ao público leigo.

A ideia é que o jogo facilite uma conversa franca sobre cuidados ao fim da vida e que permita ao paciente expressar suas prioridades e preocupações.

Penso que todo e qualquer instrumento que possibilitar um troca de ideias franca e carinhosa sobre o fim da vida é mais do que bem-vindo. Mais informações sobre o projeto, podem ser acessadas no site.

Um vídeo sobre o baralho:

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