Folha de S. Paulo


Médico precisa ter cuidado até para dar boa notícia

Christopher Hubenthal/U.S. Air Force

Em outubro passado, recebi o diagnóstico de um pequeno nódulo na vesícula durante ultrassom de abdome de rotina. Nada muito assustador exceto o fato de a minha mãe ter morrido três meses antes de um câncer primário nesse mesmo órgão, com metástase no fígado.

Eu e minha médica decidimos repetir o exame seis meses depois para ver como o nódulo havia se comportado. Caso tivesse aumentado ou mudado de formato, faria uma cirurgia para retirar a vesícula.

Na semana passada, repeti o ultrassom de abdome com uma certa apreensão. Ao passar o transdutor na região da vesícula, a médica se deteve no local. Passou o aparelho várias vezes. "Segura a respiração, agora solta." "Vira de lado, agora do outro". Nesse meio tempo, falava baixinho com a assistente.

Depois de alguns minutos e nada de dar prosseguimento na análise de outros órgãos, perguntei à médica se havia algo errado com a vesícula. "Ao final a gente conversa", ela respondeu. Engoli o choro.

É claro que não ela fazia ideia (e continua não fazendo) do impacto que essas palavras iriam me causar. As três semanas terríveis entre o diagnóstico do câncer da minha mãe a morte dela voltaram a me assombrar. Na minha cabeça só passava o pior. Naquela hora, de nada valeu o arsenal de informações que eu tinha sobre o câncer que levou a minha mãe e o fato de o tumor não ter origem genética.

Após examinar os outros órgãos, a médica deixou a sala e voltou dizendo que repetiria a análise da vesícula, aumentando ainda mais a minha apreensão. Após mais alguns minutos, ela disse: "Não fique assustada, mas é que não estou encontrando o nódulo que o exame anterior havia detectado. A sua vesícula tá ótima, não tem nada". Chorei de alívio.

Ela não entendeu nada. Eu também me calei sobre a razão das lágrimas. Claro que ninguém tem a obrigação de conhecer de antemão as suscetibilidades do paciente, mas penso que ainda há muito o que avançar na comunicação de notícias (as ruins e as boas também).

O meu caso não é nada diante de tantas histórias que já ouvi e escrevi, mas me fez lembrar delas. De uma amiga febril que ouviu de um infectologista que ela tinha leucemia (sem ao menos os olhar os exames) a um oncologista que, diante da recidiva do câncer da paciente, decretou a sua morte dizendo mais ou menos assim: "Aproveite o seu filho enquanto há tempo". Detalhe: o filho, de oito anos, estava do lado dela.

Há histórias que de tão bizarras parecem inverossímeis. Uma leitora me contou que certa vez um especialista em reprodução humana disse que ela não engravidaria naturalmente porque, aos 41 anos, não era mais "aquela Brastemp".

Dentro das instituições de saúde, existem várias iniciativas com o intuito de melhorar a comunicação entre médicos e pacientes. Algumas envolvem até encenações com atores profissionais para ensinar a comunicação de más notícias. Muitas são louváveis, mas pouco adianta se o profissional desconhecer aquela velha e boa regra de ouro: trate os outros como gostaria de ser tratado, ou faça aos outros aquilo que gostaria que fizessem a você.


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