Folha de S. Paulo


Brigas na internet não ajudam a melhorar a saúde brasileira

Robson Ventura/ Folhapress
Filas para retirada de medicamento na periferia de São Paulo
Filas para retirada de medicamento em posto de saúde na periferia de São Paulo

O vazamento dos dados do diagnóstico da ex-primeira dama Marisa Letícia Lula da Silva e tudo o que ele suscitou (demissões e sindicâncias) continua rendendo vários debates no meio médico, agora num tom mais civilizado.

Na semana passada, uma mensagem circulava em grupos médicos de WhatsApp pedindo "muito cuidado e prudência" porque advogados estariam fazendo uma busca ativa nas redes sociais. "Evitem comentar, fotografar ou até identificar o local onde isso está acontecendo. Todo cuidado é pouco.
Lembre-se que a quebra de sigilo culmina em cassação e reparação civil e, em alguns casos, criminal."

O alerta é muito útil, já que a violação do sigilo médico em mídias sociais não é uma prática incomum. Pelo menos foi o que mostrou uma dissertação de mestrado apresentada na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e que envolveu 156 alunos de medicina, residentes e cirurgiões.

Na pesquisa, cirurgião Diego Adão Fanti Silva verificou que 53% dos alunos, 86% dos residentes e 62% dos docentes divulgam dados de pacientes nas mídias sociais. A maioria (entre 86,5% e 100%) relata que oculta a identidade dos pacientes no momento da divulgação.

É ilegal e antiética a divulgação de imagens de pacientes mesmo com a autorização dos expostos e mesmo não identificando o doente. Só há permissão se a publicação tiver fins acadêmicos ou assistenciais –ainda assim, é necessário o consentimento do paciente.

Pena que um assunto tão importante como esse tenha ficado no "fla-flu" raso de "direita e esquerda", com pessoas destilando ódio e inverdades nas mídias sociais. Essa não é uma questão político-partidária. Estamos falando de um direito fundamental do paciente, que é o sigilo das suas informações médicas.

Na esteira dessas discussões, recebi uma mensagem de um leitor, o Lucas Augusto de Souza, estudante do último ano de medicina da UFSCPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre). Ele defende os médicos que trabalham muito, recebem pouco, e estão na carreira por amor à medicina. "Quem entra nessa carreira apenas pelo dinheiro desiste no meio do caminho", diz ele. Reproduzo a seguir um trecho do texto de Lucas:

*

"A sociedade brasileira está submetida, em todas as instâncias, a uma corrupção generalizada. Todo dia vemos nos noticiários a corrupção e a impunidade. Contudo, posso afirmar com toda a certeza que a situação de saúde no Brasil está assim por causa dos médicos. Por que, se não fossem os médicos, a saúde e o SUS já teriam entrado em colapso há muito tempo!

Sim, se não fossem os sacrifícios diários que os médicos fazem, nenhum de nós teria saúde pública de graça. Por pior que esteja, estaria muito pior se dependesse apenas dos políticos. É com dificuldades diárias que os bons médicos saem de suas casas todos os dias e sofrem junto com seus pacientes, se entregam, choram. Já vi meu chefe chorar porque havia acabado compressa no hospital. Porque tinha acabado fio cirúrgico. E era culpa dele ou de algum médico? Ou será que a culpa é de políticos que desviam verba destinada à saúde? Ou de governantes que gastam mais do que arrecadam e não sobra dinheiro para mais nada, como a crise fiscal de estados como o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul não me deixam mentir?

_Amigos, está na hora de parar com essa dualidade absurda esquerda X direita que não nos ajuda em nada a melhorar o Brasil, e de nos unirmos para fazermos mais em prol do nosso Brasil. Não mais com brigas pela internet, mas sim com ações na vida real. Se continuar do jeito que está, quem perde é quem precisa do SUS, sou eu, o médico, é você, que vai continuar vivendo em um país com esse grave problema social.

Se alguém acredita que estou mentindo, é com o maior prazer que convido a me acompanhar em alguns plantões e ver a realidade por dentro da saúde pública brasileira."

*

É isso, Lucas, a defesa do SUS deveria ser apartidária. O único "dono" do nosso sistema público de saúde somos nós, o povo brasileiro. É assim que pensam, por exemplo, os britânicos, que brigam com unhas e dentes pelo NHS, sistema público de saúde inglês. É o maior motivo de orgulho deles, conforme bem demonstraram na abertura dos Jogos Olímpicos de 2012. E, nós, quando vamos parar de jogar pedras e começar a defender o nosso SUS?


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