Folha de S. Paulo


O que você fez hoje para prevenir o câncer?

A pergunta acima soa estranha? Não deveria. As pessoas sonham com a cura mágica do câncer, mas pouco se empenham na prevenção, seja do ponto de vista individual, seja do coletivo. Um estudo recente, publicado na revista "Nature", concluiu que até 90% de todos os tumores podem ter sua origem em fatores externos, ou seja, não são produto de um DNA desfavorável ou simplesmente do azar.

Por meio de análise estatística, o grupo de pesquisadores tentou quebrar um velho paradigma relacionado ao aparecimento do câncer: quanto mais velhos ficamos, mais vezes nossas células se dividem, e cada uma dessas divisões tem uma pequena probabilidade de ter mutações, que podem resultar em câncer.

Para o grupo liderado por Song Wu, professor da Universidade de Stony Brook (EUA), a aleatoriedade responde só por uma pequena parte da história. Um dos argumentos é a diferença de incidência de diversos tipos de câncer em diferentes regiões do planeta.

Dados populacionais mostram que ao mudar de país, a incidência na população migrante muda rapidamente, refletindo o novo estilo de vida adotado. O que isso quer dizer? Que o que comemos, bebemos ou respiramos pode, sim, ter impacto no desenvolvimento de um câncer.

Por isso, mais do que nunca, é importante que a população faça a sua parte, evitando os velhos e conhecidos fatores de risco associados ao câncer, como obesidade, sedentarismo, o álcool e o fumo. E que, ao mesmo tempo, pressionem seus governos para proteger o meio ambiente do excesso de poluentes e produtos químicos, por exemplo.

Falar sobre isso parece chover no molhado. Se já é difícil a mudança de hábitos quando a relação de causa e efeito já está bem estabelecida (como o cigarro causar câncer de pulmão ou sol, câncer de pele, por exemplo), imagine quando ainda não há provas contundentes.

Por exemplo: suspeita-se que uso excessivo de fertilizantes e pesticidas possam causar câncer, mas o problema é quantificar a exposição de cada pessoa a esses agentes, e de separar seus efeitos de outros.

Em relação ao álcool, acontece o mesmo. Conhecemos os seus graves efeitos nos acidentes de carro ou nas agressões, mas pouco discutimos sobre sua relação com o câncer, embora hoje ele esteja associado a tumores de mama, boca, esôfago e intestino.

O mesmo argumento pode ser usado em relação ao açúcar, que impulsiona a obesidade, que, por sua vez, eleva o risco de tumores.

A lista é enorme. O custo de tratamento do câncer está fugindo do controle até em países com renda alta, argumento mais do que suficiente para que políticas públicas de prevenção estivessem a todo vapor.

Por que isso não acontece? Desconheço estudos que tratem do impacto dos lobbies das indústrias da bebida, do cigarro e da alimentação na formulação de políticas de prevenção, mas a existência deles está fartamente documentada. Poucos governos têm comprado essa briga, mas, do ponto de vista individual, você pode tomar suas próprias decisões. A escolha é sua.


Endereço da página: