Folha de S. Paulo


A epidemia oculta das microcefalias

No momento em que há um alerta mundial da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre o risco de uma pandemia de zika e um temor generalizado sobre a associação do vírus com os casos de microcefalia, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e o Ministério da Saúde travam mais uma queda de braço.

Desde 17 de novembro, uma nota do Ministério da Saúde recomenda que Estados e municípios informem todos os casos de microcefalia, sem importar qual a causa suspeita. E assim têm feito Estados como Pernambuco, Paraíba e Bahia, que lideram o número de casos de microcefalia no país. A decisão é importante porque dados da literatura médica mostram que até 80% casos de zika são assintomáticos. Então, teoricamente, é possível uma mulher ser infectada pelo vírus não ter sintomas e mesmo assim o bebê apresentar malformação.

Já o Estado de São Paulo decidiu criar sua própria regra: só informa os casos suspeitos de microcefalia em que a mãe teve alguma indicação de ter contraído zika durante a gravidez (ou sintomas ou viver numa área endêmica, por exemplo). Assim, pelos números oficiais do Ministério da Saúde, o Estado de São Paulo aparece com apenas 18 casos suspeitos de microcefalia.

Mas, segundo dados obtidos pelo "El País", os municípios paulistas registraram 210 casos de microcefalia em 2015. Desse total, 159 casos são de crianças nascidas nos meses de novembro e dezembro. Até 2014, a média anual era de 40 casos. A Secretaria da Saúde diz que o aumento de registros se deve ao fato de que a notificação da malformação só passou a ser obrigatória recentemente e que antes havia uma subnotificação.

Pode até ser, mas isso não justifica o descumprimento de uma norma do Ministério da Saúde. Nesse momento de pânico mundial, União, Estados e municípios brasileiros precisam deixar de lado eventuais rixas politico-partidárias e falarem a mesma língua. Precisamos ter a certeza de quantos casos de microcefalia e outras lesões cerebrais estão ou não relacionadas de fato ao zika. É fundamental uma uniformidade das informações e das ações.

É muito provável que, no final das contas acertadas, vamos descobrir, além da epidemia de microcefalia associada ao zika, uma outra epidemia oculta: aquela da microcefalia por outras causas e tantas outras malformações congênitas que sempre existiram e ninguém notificava, aquelas de crianças com deficiências que morrem ou sobrevivem em condições precárias, sem ao menos terem tido chance a um diagnóstico ou uma assistência correta. No Sul e no Sudeste, as malformações congênitas representam as primeiras causas de mortalidade infantil.

Os poucos serviços que atendem essas doenças no país estão abarrotados e com imensas filas de espera. Precisamos, sim, notificar e cuidar das crianças nascidas com microcefalia relacionadas ao vírus da zika. Mas vamos dar a mesma atenção à prevenção de outros defeitos congênitos e cuidar dessas crianças da mesma forma?


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