Folha de S. Paulo


Robin, pena que o fundo do teu poço não tinha mola

Querido Robin Williams,

Eu sei que você tentou.

Eu sei que dezenas de vezes você chegou ao fundo do poço e conseguiu sair.

Foram 20 anos longe do vício do álcool e da cocaína até você recair em 2003, durante uma temporada no Alasca.

"Eu estava no fim do mundo e pensei que beber pudesse me ajudar a suportar tanto trabalho. Jamais deveria ter feito isso. Na primeira semana você acha que vai conseguir parar, na segunda também, até que se passaram três anos para eu sair dessa situação", disse você ao jornal inglês "The Guardian", em 2010. A cocaína veio junto.

Eu posso imaginar o tamanho da dor que sentiu na ocasião da morte do seu melhor amigo, o ator Christopher Reeve, o eterno Superman, que se foi em 2005.

Eu posso entender a sua recaída logo depois, em 2006, e mais uma internação em clínica de reabilitação.

Eu fiquei feliz quando, naquele período, passou a frequentar as reuniões do AA (Alcoólicos Anônimos).

Nas últimas entrevistas, você se mostrava melancólico com tudo o que o vício havia lhe tirado. "Não há como recuperar tudo que perdi", disse em uma delas.

Em cada declaração sua sobre o vício, eu revivia situações próximas, de pessoas queridas que estão na mesma luta. Ora livres da dependência, só por hoje, ora recaindo.

E relembrava de outras que sucumbiram ao vício. E se foram muito cedo, muito jovens.

Por que que não inventam logo uma pílula que liberte todos dessa prisão, heim? Que os faça enxergar que a vida é dureza, sim, mas que tem os seus encantos e que vale muito a pena ser vivida, sem abreviações?

No mês passado, soube que você havia se internado novamente em uma clínica de reabilitação como medida de precaução. Quis acreditar que era só por precaução mesmo, não mais uma recaída.

Nada sei sobre as circunstâncias da sua morte, meu gênio indomável.

Eu só acho uma pena, uma grande pena, que, dessa vez, o fundo do teu poço estava sem mola.


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