Folha de S. Paulo


Nem todo mundo está feliz com a maternidade

É alarmante o número de cesarianas no país, como já sabemos e bem reforçou a pesquisa "Nascer no Brasil", com 23.894 mulheres entrevistadas, divulgada na última quinta-feira. Em cada 100 partos nos hospitais privados, 88 são por meio de cesarianas. Nas maternidades públicas atingiu 46%.

Na minha opinião, no entanto, outros números foram ainda mais surpreendentes: 55% das mulheres não tinham programado engravidar e 30% não desejavam a gestação já corrente. E, mesmo depois do nascimento do bebê, 9% se disseram insatisfeitas com a gravidez e 2,3% relataram ter tentado interromper a gestação.

"O país tem que parar de fazer de conta que está todo mundo feliz com a maternidade", disse a pesquisadora Silvana Granato.

Silvana está certa. Em tempos de mídias sociais e tantos 'selfies' de mães e bebês sorridentes, não há espaço para a infelicidade, muito menos para as mamães infelizes. E olha que elas são muitas: 26% das que participaram do estudo ou seja, mais de um quarto delas, apresentaram sinais de depressão entre 6 e 18 meses após o parto.

Acontece que essas mães deprimidas parecem cobertas pelo manto da invisibilidade. Muitas vezes, continuam não sendo enxergadas pelos médicos e tampouco por seus familiares.

Por uma questão cultural, a sociedade pensa na maternidade como uma coisa sacralizada, incapaz de produzir sentimentos ruins ou doenças. E a coisa não é bem assim. Inúmeras pesquisas já mostraram, por exemplo, que 10% das mulheres que dão à luz apresentam depressão pós parto. O mesmo percentual pode desenvolver também TOC (Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo).

Além da discussão sobre o excesso de cesáreas, é urgente que o país reforce as políticas de planejamento familiar e o acesso a tratamentos de doenças psiquiátricas durante e depois da gestação. É preciso entender melhor quem são as mulheres que estão engravidando sem desejar e como estão sendo acompanhadas aquelas que já demonstram sinais da depressão e outros transtornos.

Ou será que essa mãe doente só será enxergada quando surtar e cometer o desatino de abandonar seu bebê numa lixeira qualquer ou coisa pior?


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