Folha de S. Paulo


Polícia enxovalhada

Dez dias após a morte do adolescente Kaique Augusto Batista dos Santos, 16, a família deu razão à polícia e aceitou a suspeita inicial de suicídio. A mãe do garoto, Isabel Cristina Batista, pediu desculpas se algo que disse tenha prejudicado a imagem da polícia.

A atitude de Isabel de não aceitar a hipótese de que o filho tenha se suicidado é mais do que compreensível. A dor da perda é mesmo insuportável, ainda mais nas circunstâncias em que Kaique morreu.

O que é incompreensível é a proporção que o caso tomou nas últimas semanas, mesmo diante das sucessivas declarações da polícia e dos peritos de que se tratava de um suicídio.

Desde o início, o cenário era perfeito para um crime homofóbico. Pobre, negro e gay, o garoto foi encontrado desfigurado, sem dentes e com fratura exposta na perna. Logo se deduziu que ele fora vítima de homofobia, embora os peritos reforçassem que o estado do corpo era compatível com a queda do viaduto. Para piorar, seu corpo, sem identificação, ficou sem refrigeração no IML superlotado.

O caso pipocou nas redes sociais, foi tema de inúmeras colunas contra a homofobia, de declarações da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, e de protesto no centro de São Paulo. Cartazes faziam alusão aos crimes da ditadura, quando pessoas eram torturadas pela polícia e depois tidas como vítimas de suicídio.

Agora, as imagens das câmeras da região mostram Kaique cambaleando sozinho, a 50 metros do viaduto, pouco antes de ser encontrado morto. Os laudos mostraram que ele estava alcoolizado. Diante disso, a família descartou a possibilidade de homicídio.

Há inúmeros precedentes para se desconfiar da polícia. Mas será que os peritos e a medicina legal também estão tão descreditados que é preciso uma imagem de vídeo para provar que estão falando a verdade?

Será que alguém, além da mãe, vai se desculpar pelo enxovalhamento? Ou só vale quando é pau na polícia?

E por fim, será que não é um bom momento também para se discutir os casos de suicídio na adolescência, que só crescem no país?


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