Folha de S. Paulo


Maioria da população é contra farmacêutico como prescritor

Aos 83 anos, meu pai é um fã dos farmacêuticos. Na minha infância, lembro-me bem, era Deus no céu e o "seo" Domingos na terra. O seo Domingos morreu, a farmácia fechou e agora a confiança dele está nas mãos do Paulinho, outro farmacêutico.

Isso não quer dizer que o meu velho não vá ao médico. Depois de dois infartos nos últimos três anos, ele frequenta religiosamente o cardiologista, toma as medicações e segue as recomendações. Mas para as questões menores não adianta convencê-lo do contrário: é o "dr." Paulinho quem ele procura.

Mas, se levada em conta uma pesquisa recente do ICTQ (instituto de pós-graduação para farmacêuticos), meu pai é uma exceção. Um estudo com 2.650 pessoas em 16 capitais mostrou que seis em cada dez pessoas não aprovam a resolução do Conselho Federal de Farmácia que autoriza o profissional da área a receitar remédios. A nova norma será publicada amanhã no "Diário Oficial da União".

Entre os entrevistados, 61% disseram não concordar com a medida e 39% afirmaram que são favoráveis.

Para o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, Pedro Menegasso, o resultado revela que o brasileiro desconhece o papel do farmacêutico na saúde. "Parte da população não entende quem está atrás do balcão é um profissional com formação de nível superior. É o profissional de saúde mais perto da população. Não precisa pegar fila, não precisa marcar hora."

O maior percentual de rejeição, 25%, está na faixa etária entre os 26 e 40 anos. Entre os mais velhos, acima de 60 anos, o índice é de recusa é o menor, de 7%.

É uma boa hora de a categoria explicar à população quais são suas reais atribuições. Sempre atrás do balcão, o farmacêutico é muitas vezes confundido com o atendente de farmácia, que pega a receita vai até a prateleira e entrega o remédio ao cliente. Em outros países, essa é uma profissão bastante valorizada. Nos EUA, as grandes redes de farmácia já dispõem de um consultório para o farmacêutico. Ele está autorizado a prescrever determinados medicamentos e a repetir receitas (às vezes até mudar a dose do medicamento) de pacientes que já passaram previamente pelos médicos. Segundo a revista "Forbes", a profissão foi considerada ano passado a mais bem remunerada para as mulheres. Lá, a farmacêutica recebe uma média anual de US$ 99 mil.

Mas esses profissionais precisam ter uma formação específica para fazer uma prescrição segura. Até onde sei, no caso do Brasil, isso demandaria mudanças curriculares na formação do profissional.

No frigir dos ovos, essa polêmica toda em torno do Mais Médicos e do Ato Médico abriu a possibilidade de olharmos além dos umbigos das categorias profissionais. A carência de médicos é hoje um problema mundial e só deve piorar, segundo as projeções da OMS (Organização Mundial da Saúde).

Em vários sistemas de saúde do mundo, profissionais não médicos, como os farmacêuticos e os enfermeiros, estão autorizados a prescrever determinadas classes de medicamentos. Isso favorece o acesso aos cuidados de saúde, reduz os custos e propicia melhores resultados terapêuticos, segundo vários estudos. Despidos do preconceito e da desinformação, é isso que devemos perseguir.


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