Folha de S. Paulo


Parto natural, cesáreas e prematuridade

DE SÃO PAULO - O filme "Renascimento do Parto", que estreia nos cinemas dia 9 de agosto, tem vários méritos. O principal é questionar de forma incisiva o alarmante número de cesarianas realizadas no Brasil e propor uma reflexão sobre isso.

Mas ontem, após a pré-estreia seguida de um debate, sai do cinema com dúvida se tratar o assunto de forma maniqueísta (parto natural é do bem, cesárea é do mal) é o melhor caminho para revertermos esse inquestionável abuso de cirurgias desnecessárias que vemos hoje.

Parece-me claro que as mulheres precisam estar mais bem informadas sobre os benefícios do parto normal para ela e para o bebê. E isso o filme o faz com maestria. Mas é preciso ir além. Tocar na verdadeira ferida que faz o Brasil ter as mais altas taxas de cesarianas do mundo.

A frequência aumentou de 37,8% de todos os partos, em 2000, para 52,3% em 2010. Nos hospitais privados de São Paulo, essa taxa passa dos 90%. A OMS recomenda que a taxa de cesariana não ultrapasse os 15%, e alerta que o excesso de partos agendados aumenta a mortalidade de mães e crianças.

O problema envolve vários atores, entre eles as fontes financiadoras (governos e saúde suplementar), órgãos reguladores, escolas médicas e sociedade civil.

Não há dúvida de que é preciso remunerar melhor o parto natural e oferecer condições dignas e seguras para que ele aconteça.

Ao mesmo tempo, essa atividade precisa voltar a ser valorizada nas escolas médicas. Já ouvi de muitos médicos recém-formados que, em razão do parco conhecimento e da falta de treinamento, não tinham segurança para fazer partos normais.

É claro que aí entra também a questão do comodismo: por que ficar horas à disposição da gestante, que pode passar horas e até dias em trabalho de parto, se é possível e mais vantajoso agendar uma ou várias cesáreas em um mesmo dia?

Ao mesmo tempo, é preciso que os médicos deixem o corporativismo de lado e se convençam de que o parto de baixo risco pode perfeitamente ser feito por outros profissionais, como as enfermeiras obstetrizes e as parteiras bem treinadas. Isso acontece com sucesso em vários países do mundo.

Tive a sorte de ver uma dessas experiências de perto no Hospital da Mulher, da Universidade de Michigan, em Ann Arbor (EUA), há três anos. O meu advisor lá, Timothy Johnson, ginecologista e obstetra, conseguiu montar um time de primeira com médicos e parteiras trabalhando juntos.

Perguntei a ele como tinha conseguido isso. Tim, como é conhecido, disse-me que foi preciso ter pulso firme porque houve muita resistência entre os colegas médicos, mas que, ao final, com os ótimos resultados, tudo ficou bem.

É isso que devíamos fazer por aqui também. Não faz sentido essa reserva de mercado imposta pelos obstetras, muitos dos quais boicotaram claramente as casas de parto e o curso de parteiras da USP zona leste. Chegou a hora de olhar para o que é melhor para as mulheres e para as crianças que estão chegando ao mundo. E não para os seus próprios umbigos.

Veja vídeo

PREMATURIDADE

Uma das consequências das cesáreas está associada à prematuridade. Recente pesquisa da Unicef, Ministério da Saúde e 12 universidades brasileiras apontou que quase 12% dos partos no país são prematuros --bebês nascidos abaixo de 37 semanas de gestação.

Esse dado é referente ao ano de 2010 e revisa para cima os números do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), do Sistema Único de Saúde (SUS), que apontava uma taxa de prematuridade de 7,2%.

De acordo com o Ministério da Saúde, a prematuridade é a principal causa de morte no primeiro mês de vida - cerca de 70% dos óbitos de crianças ocorrem nos primeiros 28 dias após o nascimento.

Um dado curioso revelado pelo estudo é que as regiões mais desenvolvidas do Brasil (Sul e Sudeste) são as que apresentam os maiores percentuais de prematuridade: 12% e 12,5%, respectivamente. Em seguida, vem o Centro-Oeste (11,5%), o Nordeste (10,9%) e o Norte (10,8%).

A pesquisa aponta, ainda, uma relação entre o aumento da prematuridade e o número de cesarianas feitas no país. As mais altas taxas são observadas nas regiões mais desenvolvidas (Sul, Sudeste e Centro-Oeste), enquanto as mais baixas estão no Norte e Nordeste. Entretanto, para estabelecer essa ligação com mais exatidão, serão necessários estudos mais aprofundados.

Para o representante do Unicef no Brasil, Gary Stahl, "isso contribuiria para reduzir a epidemia de cesarianas no Brasil e reverter o quadro de prematuridade". O que estamos esperando para começar?


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