Folha de S. Paulo


Como fugir do fanatismo

Stefan Wermuth-26.mai.2017/Reuters
Moradores de Manchester, no Reino Unido, prestam homenagem às vítimas do atentado que deixou 22 mortos na cidade, nesta sexta
Moradores de Manchester, no Reino Unido, prestam homenagem às vítimas do atentado que matou 22

Em livro publicado em 2006, Amartya Sen, economista indiano detentor de um Prêmio Nobel, defendia que temos múltiplas identidades e que a violência ocorre quando permitimos que uma delas se torne hegemônica e sufoque as outras. Somos seres plurais, em diálogo constante com o mundo que nos cerca, e vamos, num processo de homeostase, incorporando novas vivências e ideias, o que nos leva eventualmente a adquirir novas identidades.

A análise de Sen parece convergir com a de Amós Oz, escritor israelense que esteve recentemente no Brasil para lançar seu livro "Mais de uma Luz". No livro, o autor se pergunta como surge o fanatismo que, num certo sentido, envolve alienar-se de si mesmo e viver a vida de outrem ou um sistema de vida que elimine a difícil tarefa da vida adulta que é fazer escolhas e constituir identidades.

O fanático bloqueia o processo de contato com o meio em que vivemos e opta por seguir as prescrições de um líder, de uma celebridade ou de um mestre, sem reflexões ou elaborações próprias. Ele é incapaz de empatia genuína, pois, não se percebendo como pessoa independente, não consegue tampouco entender as motivações e sentimentos do outro.

Parece haver também a impossibilidade do humor, particularmente o ato de rir de si mesmo. Como há uma certa sacralização das condutas, inspiradas por um líder genial das massas ou um mestre inquestionável, o humor dirigido a si próprio torna-se quase uma heresia.

Mas não vamos confundir as coisas. O fanático, segundo Oz, pode ser um altruísta: ele genuinamente pode acreditar que, ao massacrar pessoas ou perseguir quem pensa diferente, está lutando pelo bem do outro. Trata-se de uma estranha forma do que Jonathan Sacks chama de altruísmo do mal: para o seu bem nesta ou em outra vida, vou lhe agredir.

Quando a escola não ensina a pensar, não se propõe a promover a autonomia do aluno, infelizmente se torna parte dessa engrenagem de produção de fanáticos. E, na adolescência, dadas as inseguranças naturais da etapa, é mais fácil atuar nessa direção, afinal é mais confortável se o professor dá respostas fechadas para todas as minhas perguntas, e os fanáticos, diz Oz (e, num certo sentido, alguns adolescentes também), odeiam respostas abertas.

E qual o antídoto, no ambiente escolar, para o fanatismo? Certamente a formação para a autonomia e para o pensamento independente fazem parte da solução, mas dois elementos devem integrar essa forma de instrução, a curiosidade e a imaginação, meios poderosos de compreensão do mundo, de si mesmo e do outro.

Não por acaso, integram também o receituário de Amós Oz para evitar o fanatismo.


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