Folha de S. Paulo


Ódio volta a dar voz ao racismo

Bryan R. Smith-2.fev.2017/AFP
People rally with flags at Brooklyn Borough Hall as Yemeni bodega and grocery-stores shut down to protest US President Donald Trump's Executive Order banning immigrants and refugees from seven Muslim-majority countries, including Yemen, on February 2, 2017 in New York. / AFP PHOTO / Bryan R. Smith
Em cartaz em manifestação em Nova York, lê-se "amor, não ódio, fará a América grande novamente"

Em 2015, no Estado americano da Geórgia, um jovem casal irrompeu numa festa de aniversário de uma criança negra de oito anos, ameaçando os convidados e agredindo as crianças presentes. Levavam com eles a bandeira confederada. Há poucos dias foram condenados a muitos anos de prisão pelo crime, motivado, segundo o juiz, por ódio racial.

Na mesma semana da condenação, chegou a público a informação de que centros comunitários e escolas judaicas, em pelo menos 11 Estados americanos, sofreram ameaças de bomba, a quinta onda de ameaças desse tipo em 2017. Isso se deu logo após a vandalização do cemitério judaico da cidade de Saint Louis, o que ocorreu novamente, numa clara mostra de destemor, uma semana depois.

É claro que algo que se acreditava ter se recolhido às páginas da história parece estar de volta. O racismo aberto, com ligações a grupos ativistas, ganha força num mundo claramente bipolar. O racismo presente no dia a dia dos habitantes de nosso planeta volta a ganhar voz em comunidades organizadas e almeja tornar-se novamente política pública.

Afinal, como disse Sartre em sua magnífica peça "Entre Quatro Paredes", "o inferno são os outros". Se há desemprego, se o governo é desonesto ou medíocres prosperam, isso se deve a uma categoria em busca de definição, o outro. Essa foi a retórica do nazismo, numa Alemanha em hiperinflação e com o orgulho ferido no pós-guerra.

O ódio não se dirige apenas a membros de uma sociedade que são de outra raça. Destina-se também a quem é estrangeiro, segue outra crença ou tem outra orientação sexual. Se o outro não existisse, é a psicologia do ódio, meus problemas estariam resolvidos, o meu país seria melhor, não haveria desemprego ou inflação.

Daí porque é tão tentador para governantes adotarem o ódio como política pública, o populismo como teoria de mudança: a ideia é unir-se contra um inimigo comum que estraga a pátria –o outro. É na alteridade que o líder genial das massas busca a solução para construir seu projeto de poder.

Fernando Pedreira, no "Summa Cum Laude", obra de 1999 em que buscava entender o sentido do século 20, dizia que, com a derrota do nazifascismo, nunca mais o ódio racial seria erigido em política de governo, mesmo que grupos vociferassem slogans com esse conteúdo. Espero que esteja certo.

É triste notar, no entanto, que o campo de cultura do ódio volta a ser cultivado com empenho em muitos países, inclusive aquele dirigido a quem pensa de forma distinta da visão hegemônica. Não há tirano mais poderoso do que o que autorizamos habitar em nossas almas, numa aceitação passiva do ódio aprendido.


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