Folha de S. Paulo


Aprender a ler

Daniel Bueno

Aprendi a ler no susto, em um mês de férias. Como frequentava uma pré-escola onde a alfabetização não era obrigatória, nunca me interessei pelo assunto. Quem, em sã consciência, trocaria correria, barro e poções de bruxas por uns míseros sinais escritos?

É bem provável que eu não estivesse pronta para aquilo tudo. Mas, ao final dos meus seis anos de idade, eu deveria saber alguma coisa para entrar em uma escola convencional.

Naquelas férias, passei todas as manhãs numa sala vazia, mas cheia de letras do alfabeto. Maiúsculas, minúsculas, cursivas e de forma. Eu ficava enrolada nas voltas das letras maiúsculas, que, de tão elaboradas, pareciam desenhos.

Apesar de aprender a ler letras de forma, fui alfabetizada com a cursiva e suas curvas. Depois de cada aula, ficava vendo uns livrinhos vermelhos, cada um sobre um assunto diferente: céu, mar, terra, transportes, raios, bichos, foguetes. Ainda não conseguia ler, mas gostava das figuras e da seriedade da coleção. Naquela hora, sentia que era grande e importante.

Não doeu. Terminado aquele mês, pude ler meu primeiro livro -e mal e mal escrever meu nome. Rapidamente peguei o gosto.

Finalmente, eu e os livros fomos apresentados um ao outro. Confesso que gostei muito do novo amigo. Nas piores horas, o livro é o meu melhor e mais fiel companheiro. São 32 anos de amizade firme e duradoura.


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