Folha de S. Paulo


Conheça dublê de voz de Xuxa, que ganha R$ 200 por dia em Guaianases

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Tá na hora, tá na hora. Tá na hora de Carlos Daniel trabalhar: às 7h, o roraimense de 33 anos levanta e sai do sobrado em que mora, em São Matheus, para uma viagem de meia hora pela zona leste até Guaianases, onde um microfone o espera e seu palco é a rua na frente de uma farmácia, sob um pórtico de entrada decorado com balões.

Uma jovem de 15 anos e cabelos cor de rosa que passa pela rua Otelo Augusto Ribeiro sorri ao ouvir sua voz saindo do amplificador. Mas, ao virar e se deparar com o descendente de índios e de brancos, o sorriso vira uma boa tensa de confusão. "Não era a Xuxa?", pergunta-se a estudante Ana Lima, que dá de ombros e segue andando.

Carlos Daniel, que diz frases como "venham conhecer os descontos, baixinhos", tem uma voz muito parecida com a da nova apresentadora da Record. Não é só Ana que acha. A própria Xuxa já se emocionou ao ouvir "Lua de Cristal" saindo da boca do fã em 2001, quando ele participou do seu programa na Globo, aos 20 e poucos anos.

O dom tinha sido descoberto fazia tempo, antes da puberdade. "Era uma brincadeira que perdi e tive que pagar uma prenda. Os guris, para me zoarem, mandaram eu cantar a música 'Arco-Íris', da Xuxa. Ficaram de boca aberta." Chegou em casa e gravou a própria voz, que nunca tinha ouvido. "Não acreditava, fico impressionado até hoje." Cantou em um karaokê de Boa Vista. "Parou o conversê todo quando eu abri a boca. Aplaudiram de pé."

A imitação não virou carreira de início. Daniel vendeu picóles e jornal antes de tomar coragem e discar o número de produção do "TV Xuxa". A cobrar. Três anos depois, quando morava em Fortaleza, foi chamado para dividir o palco e "Lua de Cristal" com a apresentadora.

"Foi um dos melhores momentos da minha vida. Levei um presente para ela [um duende de epóxi, pois na época ela lançaria 'Xuxa e os Duendes'] e realizei um sonho." Anos depois, viajaria ao Rio para tentar ver a musa, que estava em Orlando com a então filhinha, Sasha. "Lavei pratos nessa época."

Passado o sonho de cantar no Projac, Daniel tornou a Fortaleza e lá ficou, vivendo de aparições na TV e de gravar vinhetas para lojas, com a voz anasalada que qualquer nascido nas décadas de 1970 ou 1980 liga a uma mesa de café da manhã inalcançável de tão grande.

Felipe Gabriel/Projetor/Folhapress
Carlos Danil ganha vida imitando a Xuxa
Carlos Danil ganha vida imitando a Xuxa

A 'XIDADE' DE 'XÃO' PAULO

Cinco anos atrás, veio para São Paulo participar do programa de Gugu Liberato, então no SBT, para participar de um concurso de imitadores. Perdeu para Alan, que vivia uma vistosa Vera Verão. Mas decidiu ficar pela cidade.

Desde então, se dedica aos shows de rua, que rendem R$ 200 por dia de trabalho. "Não daria para eu viver só de cachê, ainda bem que encontrei minha maninha." A maninha é Tatiane Ramos, "minha produtora, pessoa que me ajuda nos concursos quem me acolheu na casa dela". Os dois se conheceram numa banca de revistas de Guaianases e ela o acolheu na casa em que mora com os dois filhos.

Além dos trabalhos de rua, o Xuxa da zona leste participou de outros programas, como o "Se Vira nos 30" do Faustão e o "Legendários". Foi fixo por três anos no "Café com Bobagem", interpretando um personagem chamado XuBixa, flexão de "Xuxa" com "bicha".

"A única coisa que ela me pediu é que eu sempre me identifique, que eu não me passe por ela." Recusou uma oferta para fazer locução de uma rede de supermercados de Fortaleza para não se passar pela gaúcha.

Diz que no ano passado recusou uma oferta de carteira assinada e R$ 5.000 mensais do Pânico. "Eles queriam que eu passasse trote pro povo me fingindo de Xuxa. Eu não posso nem participar do programa, porque ela está processando eles. Eu nunca trairia meu ganha-pão", diz, com a mão no coração. O Pânico não comenta a proposta.

FALA COMO HOMEM

Há quatro meses Carlos Daniel faz uma campanha em redes sociais para participar da estreia do programa da musa na Record. "Já falei com o Blad Meneghel, irmão que trabalha com ela, ele falou que há chances." Não faz questão de aparecer na telinha. "Queria trabalhar na produção do programa. Só fazer parte do mundo dela já está bom."

A voz da rainha dos baixinhos é uma constante. Fala como ela ao telefone quando pede um táxi. Vez por outra é confundido. Às vezes ainda ouve um "Fala que nem homem!" ou outro de gente que passa na rua enquanto ele canta "Ilariê". "Não ligo. Sabe que ligar é pior? Se eu ligasse, eu estaria triste, depressivo, trabalhando em uma repartição pública em Roraima."

Tudo o que Carlos Daniel queria, o cara lá de cima já parece ter dado. "Ainda bem que eu nasci com a voz de alguém que amo como a Xú. Imagina se eu tivesse a voz do Datena?"


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