Folha de S. Paulo


Diretório acadêmico da FGV se diz a favor de cotas e enfrenta resistência

O DAGV, Diretório Acadêmico da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, publicou na segunda-feira (24) uma carta em que se coloca a favor das cotas para negros na faculdade.

Na terça, o grupo emitiu uma nota de repúdio, afirmando que "algumas falas [de alunos] se demonstraram preconceituosas, pejorativas e agressivas" nas redes sociais. Uma delas, segundo o DAGV, foi o comentário de um aluno dizendo que "os negros descendentes de escravos estariam em uma situação muito pior hoje se a escravidão não tivesse acontecido [e eles tivessem ficado na África]".

Marcelo Justo/Folhapress
Fachada da Fundacao Getulio Vargas (FGV), na av. Nove de Julho
Fachada da Fundacao Getulio Vargas (FGV), na av. Nove de Julho

Em meio a comentários, um professor da casa "classificou um aluno da Instituição como cínico e o acusou de agir com 'molecagem'" e "ameaçou levar o debate à diretoria", de acordo com o DAGV. Procurada, a FGV nega que esse embate nas redes sociais tenha ocorrido.

Questionada sobre sua posição em relação a cotas raciais, a escola afirma que " já adota diversos mecanismos de inclusão social e está sempre buscando o aperfeiçoamento das ações de democratização do ensino por meio do estudo de novas políticas de inclusão".

Leia abaixo entrevista feita por e-mail com a presidente e os diretores da associação estudantil

Quanto tempo discutiram a posição favorável às cotas antes de ela vir a público?
O tema sobre cotas sempre foi abordado de forma tímida na FGV de São Paulo. Alguns grupos de alunos já tentaram levar o tema adiante com a realização de debates, mas nunca atingiram uma público satisfatório. Assim, o DAGV, uma entidade apartidária, mas politizada, por meio de sua diretoria, decidiu se posicionar publicamente, no dia da Consciência Negra, a favor das cotas raciais como parte das sociais. Foi um consenso entre todos os 14 diretores, por saberem que o DAGV tem como uma de suas missões lutar por mais diversidade na faculdade (está em nosso estatuto), com o objetivo de tornar o ambiente estudantil mais justo, democrático e múltiplo. Como a meta do primeiro post era incitar o debate e desenvolver o pensamento crítico do "gvniano", a decisão de tornar o texto, que já tínhamos pronto há algum tempo, público, foi bastante rápida.

No dia seguinte à divulgação da posição, vocês publicaram uma nota de repúdio, citando reações "agressivas e preconceituosas". Que reações foram essas, e onde elas se deram?
O posicionamento do DAGV, além de divulgado na página oficial da entidade no Facebook, também foi enviado para grupos de estudantes e professores da FGV-SP. O grupo onde as reações citadas tiveram frente chama-se "GV" e conta com cerca de 3.500 membros, entre eles principalmente alunos atuais e professores ativos da casa (não tem nenhum vinculo com a Fundação em si; pelo contrário, é administrado por um ex-aluno).
No momento da divulgação, grande parte dos estudantes que estão no grupo apoiaram a ideia, enquanto alguns outros se colocaram contra as cotas, o que é compreensível e esperado. Houve ainda os que se posicionaram contra a nota do DAGV, cobrando que tivesse sido feito um plebiscito antes do posicionamento formal. Entretanto, algumas pessoas, na urgência de defender seus pontos de vista (a discussão chegou a ficar bastante acalorada, como era previsto considerando o tema delicado em questão), expressaram-se com comentários ofensivos, racistas e silenciadores que ofenderam os poucos alunos negros da faculdade e os Direitos Humanos como um todo.
Sendo assim, o DAGV achou por bem reunir um grupo de interessados, na segunda-feira após a primeira postagem, que envolvia a diretoria, alguns poucos alunos que costumeiramente cobravam o DAGV forte e educadamente em favor de minorias, e três alunos negros da Fundação. Nesta reunião, foram discutidas medidas a respeito do que havia acontecido, e chegou-se à conclusão de que, entre outras medidas, o mínimo que a entidade deveria fazer seria um novo post repudiando as atitudes opressoras e racistas nos mesmos canais, inclusive explicitando as passagens que mais chamavam atenção, embora sem mencionar nomes, para incitar reflexão, se possível.

Um professor da casa entrou na discussão e acusou um aluno de 'cinismo e de molecagem'? O que aconteceu exatamente?
Além dos alunos, um professor da casa, que inclusive publicou ser favorável as cotas no grupo do Facebook GV, não soube participar do debate de forma respeitosa, se colocando superior aos alunos e ameaçando levar um deles, o negro com quem discutia, à coordenação.
Mais tarde, chegou a pedir desculpas, voltando atrás ao fazer um novo post reafirmando as colocações desrespeitosas e agressivas que fez. O post de repúdio do DAGV foi direcionado a ele também.

Vão propor algo oficial no conselho de gestão, ou a tomada de posição foi mais para demarcar posição?
Com o posicionamento oficial da diretoria do DAGV, nos comprometemos a levar o tema aos órgãos representantes para que os alunos possam cobrar da FGV um posicionamento, pelo menos, sobre os esforços que tem feito para garantir a diversidade e combater o preconceito dentro da casa. Os órgãos que temos de representação são: a Comissão de Graduação (CG), o Conselho de Gestão Acadêmica (CGA), a Comissão de Fundo de Bolsas Financiadas (CFBF) e a Congregação.
Entretanto, este ainda é um tema recente na FGV, e o nosso papel, como entidade estudantil, é de fomentar o debate. Sendo assim, apenas após esses eventos propostos do início de 2015, que tem como objetivo explicar a importância de um ambiente mais democrático e múltiplo, e caso seja, de fato, demanda dos alunos a implantação das cotas raciais dentro das sociais, que o DAGV se comprometerá a lutar por essa conquista na Fundação.


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