Folha de S. Paulo


Lula e Palocci firmaram uma das parcerias de maior sucesso da história

Bruno Santos - 5.set.2017/Folhapress
Ex-presidente Lula no final da caravana pelo Nordeste
Ex-presidente Lula no final da caravana pelo Nordeste

Não sabemos ainda se o depoimento de Antonio Palocci encerrará a carreira política de Lula, mas é mais ou menos certo que encerrou a carreira de Antonio Palocci. Mesmo que não seja publicamente renegado pelo Partido dos Trabalhadores –o discurso oficial é que as delações são uma forma de coerção– está claro que o ex-ministro dificilmente voltará a ter vida partidária.

Essa é uma boa oportunidade, portanto, para refletir sobre o sujeito que talvez tenha sido o quadro político mais talentoso de sua geração.

Palocci teve papel fundamental na conformação do lulismo, um dos maiores sucessos da história política brasileira. Em geral, a conversa de "conquistar a confiança do mercado" é papo furado, mas em 2003 o problema era real. E quem resolveu foi Antonio Palocci.

Em uma série de encontros no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, Palocci e o então presidente do Banco Central, Armínio Fraga, no que foi um senhor encontro de intelectos, negociaram a transição entre FHC e Lula. O petista deixou claro que a gestão macroeconômica seria responsável. Fraga apresentou-lhe o documento "A Agenda Perdida", um plano de reformas econômicas que havia sido inicialmente elaborado para a campanha de Ciro Gomes. Palocci trouxe os autores do documento para o governo, formou o que deve ter sido a melhor equipe econômica que o Brasil já teve, e ajudou Lula a entrar para a história.

Palocci não era só economicamente responsável: era um político faixa preta, como Lula, Dirceu, e muito pouca gente. Se as denúncias de 2005-2006 não tivessem derrubado toda a elite petista, Palocci disputaria a sucessão de Lula com Dirceu, e suspeito que vencesse fácil. Teria o apoio da elite econômica, enquanto Dirceu traria a elite política fechada em seu favor. A elite política trairia Dirceu com medo da elite econômica.

Mas não foi assim.

Palocci caiu em função dos graves desdobramentos de um escândalo que, depois das revelações da Lava Jato, parece pequeno. Acusado de frequentar uma casa em que se realizavam reuniões (e orgias) com lobistas, negou. Foi desmentido pelo caseiro Francenildo. Quebrou (ou deixou que alguém quebrasse) o sigilo bancário de Francenildo. Achou um dinheiro suspeito, vazou para a imprensa, o dinheiro era uma herança. Palocci caiu.

Foi sucedido por Guido Mantega.

Teve, entretanto, algo raríssimo na política: uma segunda chance. Foi chefe da Casa Civil no primeiro governo Dilma. É inconcebível que uma equipe com Palocci forte fizesse algo como a Nova Matriz Econômica. No mínimo, Palocci teria reforçado o lado de Nelson Barbosa contra Mantega na briga pela política fiscal.

Mas não foi assim.

Mal assumiu a Casa Civil, descobriu-se que Palocci havia enriquecido de forma inexplicavelmente rápida. Caiu pela segunda vez. Continuou sendo uma figura importante no PT, mas era claro que nunca mais poderia ter um papel público de destaque.

Durante sua passagem pelo governo, conquistou o ódio eterno dos radicais petistas, que sempre festejaram suas quedas. E agora entregou Lula.

Há muito de trágico nisso tudo, mas a vida é assim. Antonio Palocci e Lula devem explicações às autoridades. Mas acho que alguém também precisa lembrar que foram uma das parcerias de maior sucesso da história da governança brasileira, e, por isso, faço-o aqui.


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