Folha de S. Paulo


O risco da desigualdade

Marcos Oliveira/Agência Senado
Brasilia,DF,Brasil 8 de agosto de 2017 Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (CEDP) realiza reunião para sorteio de relator da Denúncia 1/2017, contra as seis senadoras que ocuparam a Mesa do Plenário durante a sessão em que foi votada a reforma trabalhista. Senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Conselho de Ética realiza reunião para sorteio da denúncia contra as seis senadoras que ocuparam a Mesa do Plenário durante sessão em que se votou reforma trabalhista

Em suacoluna do dia 21 de agosto, Samuel Pessôa respondeu ao desafio que lancei aos economistas: como formular um programa econômico pró-crescimento que seja aceitável pelos eleitores pobres?

Meu argumento é o seguinte: o Brasil é um país desigual. Os frutos do crescimento econômico são desigualmente distribuídos. Por outro lado, a maior parte das reformas que pretendem aumentar a eficiência econômica trazem custos ou, ao menos, riscos imediatos para os mais pobres. Por que, fazendo essas contas, os eleitores pobres (a grande maioria do eleitorado) votariam a favor de um programa reformista em 2018?

Samuel responde que o problema do crescimento brasileiro não é um dilema entre equidade e eficiência, como eu propus. Para ele, o que trava nosso crescimento são as centenas de privilégios originados no Estado: aposentadorias altas demais, subsídios do BNDES, isenções fiscais variadas (inclusive as da Dilma) e as diversas vantagens fiscais conquistadas por diferentes grupos de pressão.

Utilizando-se da expressão criada por Marcos Lisboa e Zeina Latiff, Samuel defende que o país deixe de ser "o país da meia-entrada", isto é, das isenções e dos privilégios, se quiser voltar a crescer.

Se seu argumento estiver certo, a notícia é muito boa para os pobres brasileiros. Podemos discutir se tudo na lista de Samuel são privilégios, mas pouca coisa ali, de fato, beneficia os mais pobres. Reformas que eliminassem as "meias-entradas" certamente seriam dolorosas, mas, ao menos, os mais vulneráveis seriam poupados.

Infelizmente, não tenho certeza de que Samuel esteja inteiramente certo. Algumas das reformas propostas certamente implicam no conflito entre eficiência e equidade. O caso mais evidente é o da reforma trabalhista. É bem possível que ela aumente a eficiência do mercado de trabalho, mas que poder de barganha têm os pobres com poucas credenciais educacionais e sindicatos fracos, que constituem a grande maioria dos brasileiros? O risco de perder é claramente mal distribuído, e distribuído mais ou menos segundo a renda.

Além disso, é preciso torcer para que o governo Lula tenha sido muito melhor do que se pensa. Ninguém discute o sucesso das políticas sociais dos anos 2000, mas muitos analistas acreditam que boa parte da queda da pobreza foi facilitada por peculiaridades do cenário internacional da época.

A alta das commodities teria melhorado a posição relativa de quem trabalha com coisas que não podem ser comercializadas internacionalmente (como construção civil ou serviços). Esse setor de non-tradables concentraria grande parte dos pobres brasileiros, que, dessa vez, ao menos dessa vez, deram sorte.

Se isso tiver sido pouco importante, maravilha. Lula era mesmo "o cara", e suas políticas teriam sido responsáveis por quase toda a redução da pobreza. Mas se tiver sido importante, não temos mais garantia de que o crescimento brasileiro continue a ser pró-pobre como foi no governo Lula.

Isto é, deveríamos estar pensando noite e dia em como promover crescimento que mantenha as conquistas sociais dos anos 2000. Mas não estamos, e daqui a pouco o eleitorado vai nos fazer exatamente essa pergunta.

De qualquer forma, neste debate torço bastante para estar errado.


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