Folha de S. Paulo


O impeachment deste ano

Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente Michel Temer (PMDB) em solenidade comemorativa ao Dia do Exército, em Brasília, nesta quarta-feira
O presidente Michel Temer (PMDB) em solenidade comemorativa em Brasília

Como parte das comemorações de um ano do impeachment de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (PMDB) resolveu cair.

Temer ainda está lá, Moreira e Padilha ainda o chamam de presidente, o porteiro do palácio o deixa estacionar o carro, de vez em quando ele usa faixa. Mas desde quarta-feira passada (17) sua agenda é não ser preso. Não é fácil durar assim até janeiro de 2019.

Não é impossível. Temer pode se oficializar como o governo do acordão e partir para cima das investigações. Facilitaria aprovar as reformas, inclusive. Mas a opinião pública talvez ficasse meio chateada, e em 2018 tem eleição.

O áudio de sua conversa com Joesley Batista, executivo da JBS e bandido, deixa margem a algumas dúvidas. Por exemplo, Temer diz "tem que manter isso aí" pouco depois de ouvir Joesley dizendo que pagou suborno atrasado para Eduardo Cunha. Talvez Temer estivesse apoiando um cala-boca. Mas talvez só estivesse elogiando que suborno seja sempre pago em dia.

É inteiramente fora de dúvida, entretanto, que Temer respondeu "ótimo" quando Joesley lhe contou que comprava procuradores e juízes. Não há qualquer dúvida de que Temer indicou o deputado Rodrigo Loures (PMDB-PR) para fazer o meio de campo para Joesley junto ao primeiro escalão do governo.

Durante algumas horas de quarta-feira a queda pareceu iminente. PSDB e PPS romperam com o governo, MBL e Vem pra Rua convocaram manifestações. Mas o surto de coragem passou rápido, e logo a turma toda estava dando a Temer um grau de benefício da dúvida que, se aplicado ao caso de Lula, o absolveria mesmo se aparecesse um vídeo do petista fazendo ménage à trois com Léo Pinheiro e Satã no pedalinho de Atibaia.

O recuo foi rápido e bem orquestrado. A movimentação por eleições diretas apavorou a centro-direita, que não tem um candidato forte para agora.

Mas a trégua não deve durar. O mais provável é que Temer tenha só ganhado tempo até que se ache uma solução política que preserve as reformas.

O que eu gostaria que acontecesse?

Que se encontrasse uma saída constitucional para realizar eleições diretas. Que seguíssemos a sugestão de Clovis Rossi na semana passada: eleições com uma concertação nacional que garanta que o governo eleito aplique um programa minimamente consensual. Na minha versão, esse programa preservaria as linhas gerais do ajuste e a Lava Jato, conciliando-o com medidas de redistribuição de renda, como as sugeridas por Laura Carvalho.

O que é provável que aconteça?

Uma eleição indireta que garanta a continuidade disso aí até 2019. Há dúvidas se o presidente-tampão será eleito pelo Partido do Acordão com Suruba (PDACS), pelo Partido do Ajuste e o Resto que se Dane (PDAEORQSD) ou pelo Partido do Pelo Amor de Deus Pelo Menos Alguém Honesto (PPADDPMAH).

Enfim, o impeachment desse ano é ainda mais melancólico do que o teatro tosco do ano passado, mas pelo menos não tem aqueles balõezinhos idiotas.

Que pelo menos a falta de entusiasmo nos torne lúcidos: a crise é sistêmica, como já explicado aqui. Nenhum desses sujeitos é pior do que nós. A maioria deles seria honesta sob outras regras e/ou sob risco de punição. Tanto as regras quanto o risco de punição estão mudando, e a questão é como atravessar essa transição até que outra geração já entre jogando o jogo novo.


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