Folha de S. Paulo


Trump facilita discurso de que ele está em guerra contra o Islã

Jonathan Ernst/Reuters
U.S. President Donald Trump, flanked by Chief of Staff Reince Priebus (R), speaks by phone with Russia's President Vladimir Putin in the Oval Office at the White House in Washington, U.S. January 28, 2017. REUTERS/Jonathan Ernst ORG XMIT: WAS915
Assistido por seu chefe de Gabinete, Trump conversa com o presidente russo, Vladimir Putin

A primeira realização do governo Trump foi dobrar, da noite para o dia, o preço de ser aliado dos Estados Unidos da América.

De agora em diante, países que aderirem a acordos comerciais propostos pelos Estados Unidos saberão que, a qualquer momento, poderão ser acusados de jogar sujo e roubar empregos, não importando o tamanho do esforço que tenham feito para redirecionar suas estruturas produtivas para competir no mercado americano.

Se isso pode acontecer com o México, um país vizinho que os EUA têm interesse em manter sob sua esfera de influência, porque não poderia acontecer com o Chile ou com a Colômbia? Se Trump aceita humilhar o direitista Enrique Peña Nieto desta forma, que respeito podem esperar outros políticos latino-americanos que pensem em apoiar os Estados Unidos?

Por outro lado, países localizados na periferia de adversários dos Estados Unidos agora sabem que não podem mais contar com Washington (ainda é esse o nome? Os boatos são de que passará a se chamar Moscou-sobre-o-Potomac). Lituanos e Ucranianos que se inspiraram no Ocidente para lutar pela independência agora sabem que podem ser entregues a Putin a qualquer momento.

No mundo muçulmano, os adversários dos EUA agora só precisam mostrar as entrevistas de Trump: ele já declarou singelamente que é a favor de invadir países para roubar petróleo. Sua nova política de imigração é abertamente islamofóbica: enquanto escrevo, imigrantes 100% legais, possuidores de green card, estão sendo impedidos de entrar nos Estados Unidos apenas por serem muçulmanos.

Vejam como ficou mais fácil, para um inimigo dos Estados Unidos, dizer que o presidente norte-americano está em guerra contra o Islã e pretende roubar o petróleo dos árabes. Nos casos de Obama e mesmo no de Bush Jr., isso era só uma caricatura.

Coloque-se no lugar de um iraniano ou de um sírio moderados que defendam uma aproximação com o Ocidente: sua vida, desde a semana passada, ficou mais fácil ou mais difícil? Imagine-se um militar americano tentando recrutar colaboradores no interior do Afeganistão: Trump é seu amigo?

Em entrevista à Folha no último domingo, o economista Tyler Cowen disse que " Os EUA vão passar este período se comportando mal, e é uma ótima oportunidade para países como México e Brasil esbanjarem maturidade".

Bem, na primeira semana de Trump, os vencedores foram os extremistas islâmicos, a esquerda radical da América Latina e Vladimir Putin. Os únicos aliados dos EUA que demonstraram entusiasmo com Trump até agora foram Netanyahu e Theresa May, e nenhum dos dois ilustra o verbete "sei o que estou fazendo" da Wikipedia. Ninguém nessa turma é candidato forte a adulto no recinto.

Com Trump, os Estados Unidos não estão só deixando vago o cargo de adulto responsável. Estão também sabotando seus potenciais substitutos, em especial os que seriam mais propensos a defender uma visão de sociedade global semelhante à que os americanos vinham defendendo desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

PS: Também há razões para otimismo: no sábado, advogados americanos foram para o aeroporto de Nova York, sentaram-se no chão com seus notebooks e redigiram, de graça, habeas corpus para os detidos pela imigração de Trump. Um país não morre de um dia para o outro.


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