Folha de S. Paulo


Em ambiente hostil, centro-esquerda pode voltar a inspirar brigas boas

Desde 1994, o espaço entre o PT e o centro tem sido um ponto de passagem: o sujeito rompe com a esquerda mais entusiasmada, fica ali na centro-esquerda uns dois anos, segue para a direita.

O PSDB, que colocou "socialdemocrata" no nome, só cresceu quando aliou-se com a direita. Para protestar contra a política econômica neoliberal de Palocci, o PPS passou a apoiar o PSDB (pois é). O PV tornou-se uma legenda de aluguel. O PSB, que resistiu mais tempo, parece ter se tornado um apêndice de um dos três PSDBs. No momento, quem ocupa melhor a centro-esquerda é a Rede, que ainda luta para se consolidar.

O PT no governo teria sido imensamente beneficiado por um aliado mais ao centro, mas ainda na esquerda, que lhe oferecesse uma coalizão parlamentar e eleitoral estável. Nas eleições de 1998 a aliança com Brizola foi um passo nessa direção; mas PT e PDT nos anos 90 eram muito parecidos e tornaram-se mais concorrentes do que complementares.

No governo, Lula tentou fortalecer o PSB nordestino (Eduardo Campos, Ciro Gomes), na esperança de produzir uma coalizão de centro-esquerda. Tensões locais entre petistas e socialistas abortaram o projeto.

Uma das consequências desse espaço vazio no espectro político foi a diferença ideológica muito profunda entre o PT e seus aliados à direita. Isso favoreceu a cooptação de aliados em troca de dinheiro e dificultou também a conversão do PT ao centro: não houve circulação de ideias entre o PT e seus aliados (que, por seu lado, também saíram da aliança tão conservadores quanto entraram). Por que ninguém para na centro-esquerda brasileira?

É uma questão complexa, mas suspeito que parte da questão fosse, até semana passada, a Constituição de 1988. Ela foi feita em um momento de grande desmoralização da direita, que havia apoiado o regime militar e causado a crise econômica dos anos 80.

A esquerda nunca foi maioria entre os constituintes, mas a opinião pública estava com ela: a carta de Ulysses praticamente inaugurou o gasto social no Brasil. Nos anos 80, todos se diziam socialdemocratas.

Isso talvez ajude a entender a instabilidade recente da centro-esquerda partidária: a centro-esquerda já era o pano de fundo da discussão, não precisava ser um dos lados.

Pois bem, isso agora acabou. Com a aprovação da PEC do teto de gastos, Ulysses Guimarães não garante mais progresso social nenhum.

Uma possibilidade é que isso levará a uma desilusão da esquerda com a política institucional, que parecerá um jogo ainda mais viciado do que foi até agora.

Nesse caso, a política brasileira funcionará como um grande bloco reacionário cuja vida uma multidão de movimentos sociais tentará tornar um inferno. No momento, ela é exatamente isso, e o ambiente para a centro-esquerda é extremamente hostil. Até porque, desde semana passada, há obstáculos constitucionais ao tamanho de Estado desejado pelos socialdemocratas.

Mas há também a possibilidade de a desconstitucionalização das ideias de centro-esquerda trazer as bandeiras socialdemocratas de volta à disputa pelo poder. A política existe no espaço entre a lei e a guerra, e, ao ser expulsa da lei, a centro-esquerda pode voltar a inspirar umas brigas boas e, talvez, até evitar que a coisa degenere em guerra.


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