Folha de S. Paulo


Minha terra tem Calheiros

Não, não foi bonito. No domingo (4), as passeatas pediram "Fora Renan". Menos de 24 horas depois, Temer, com amplo apoio do establishment econômico e político, desencadeava o movimento "Fica, Renan, vai ter bolo".

Na sequência, o presidente do Senado se recusou a cumprir uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Há relatos de que desobedeceu por sugestão de um ministro do próprio Supremo. No dia seguinte à desobediência, o Supremo o manteve no cargo. Foi a pior crise constitucional desde a redemocratização.

Por que Temer, com apoio entusiasmado do mercado, lançou a campanha #SomosTodosRenan? O medo era que o vice de Renan, o petista Jorge Viana, atrasasse a aprovação da PEC do teto de gastos. Se isso acontecesse, Temer encerraria o ano sem uma única reforma aprovada, e um bigode de Sarney lhe nasceria de uma hora para a outra.

Vamos ver se depois dessa, pelo menos, a turma aprende a pesquisar quem é o vice antes de derrubar alguém.

Jorge Viana teria começado uma guerra contra Temer? É difícil saber. Viana é um moderado, como ficou claro em seu esforço para atenuar a crise na semana passada. Se tivesse começado uma guerra, teria sido um erro: era uma briga em que teria sido fácil entrar e difícil sair vitorioso. A turbulência econômica seria grande, mas nenhuma das medidas que incomodam a esquerda deixaria de ser implementada.

Em outros tempos, em vez de uma crise constitucional, a semana passada teria sido uma oportunidade para trocar a manutenção do calendário da PEC por medidas tributárias que interessam à esquerda. Mas 2016 não é isso, e Viana não deve esperar reconhecimento de ninguém por sua moderação.

Deflagrada a crise, ficou demonstrado que, nos próximos anos, teremos que escolher em diversas oportunidades entre fazer o ajuste e combater a corrupção.

O ajuste está sendo conduzido pela turma que foi delatada na sexta (9), e precisará ser aprovado pela turma que será delatada nos próximos meses. O grande trunfo do governo, no momento, é que a oposição ao ajuste está sendo conduzida pela turma que foi delatada no primeiro semestre (a minha turma). Não sabemos por quanto tempo o jogo será esse.

Foi um azar que a Lava Jato e a crise econômica acontecessem ao mesmo tempo, mas essas foram as cartas que o Brasil recebeu. Resta jogar como for possível até as coisas melhorarem.

Até agora, o resultado desse impasse é claro: o ajuste está sendo feito às custas da organização política brasileira. Mesmo os defensores do ajuste precisam reconhecer esse custo.

Depois das delações contra a direita, que mal começaram, o único argumento que sobrou a favor do impeachment bananeiro de 2016 é o econômico.

Os danos da guerra do impeachment à política brasileira nem começaram a ser calculados: sem sanção do voto, o poder não trocou só de mãos, trocou de lado. Agora foi necessário sacrificar o prestígio do Supremo, uma das poucas instituições que ainda gozavam do respeito do público.

Não tenho dúvida de que a macroeconomia brasileira precisa de ajustes sérios, mas instituições funcionais também são uma condição para o desenvolvimento de longo prazo.

PS: o título dessa coluna é um verso de um poema do perfil satírico @temerpoeta no Twitter. O verso seguinte é "Onde cantam os Jucás".


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