Folha de S. Paulo


Como explicar as chances de Trump nos EUA

Jason Connolly - 29.out.16/AFP
Republican Presidential nominee Donald Trump addresses supporters during a campaign rally at the Jefferson County Fairgrounds - Rodeo Arena & Event Center in Golden, Colorado, on October 29, 2016.
Donald Trump durante comício no Colorado

As pesquisas sugerem que Hillary Clinton deve se eleger presidente dos Estados Unidos amanhã. Mas a distância entre a candidata democrata e Donald Trump diminuiu nas últimas pesquisas. Vários Estados importantes têm Hillary na frente por vantagens muito pequenas. Dependendo de como esses Estados votem, podemos ter desde uma goleada de Hillary até uma vitória apertada do candidato republicano.

É incrível que a goleada democrata não seja uma certeza. A direita americana moderada, e mesmo parte da não-tão-moderada-assim, abandonou Trump. Os dois últimos candidatos republicanos à Presidência, Mitt Romney e John McCain, não o apoiam. Os dois últimos presidentes republicanos, George Bush pai e filho, não fazem campanha para Trump. Jornais como o "Arizona Republic", pela primeira vez em sua história, apoiarão o Partido Democrata em uma disputa presidencial.

A revista liberal britânica "The Economist" declarou apoio a Hillary, seu quarto apoio consecutivo aos democratas, um sinal claro de que os republicanos vêm se distanciando do centro faz tempo. O jornalista David Frum declarou voto em Clinton, não por suas propostas, das quais discorda, mas "pela Constituição e pela República".

E, mesmo assim, Trump chega no dia da votação com chances de vitória. Como uma das nações fundadoras da democracia moderna chegou nesse ponto?

No começo da campanha, era comum analisar o fenômeno Trump em termos de "ansiedade econômica": Trump representaria os trabalhadores brancos deixados para trás pela globalização. Há um gráfico famoso feito pelo economista Branko Milanovic que mostra como, entre as diferentes faixas de renda da população mundial, a que corresponde (mais ou menos) aos pobres dos países ricos (que estão muito acima de quase todo o resto do mundo) teve ganhos de renda muito menores durante a globalização do que os pobres ou os ricos globais. A alta votação de Trump entre os brancos sem curso superior sugere que sua retórica anti-imigração e anticomércio poderia estar ressoando nesse setor.

Entretanto, como mostrou o jornalista Matt Yglesias em um texto publicado em 15 de agosto no site Vox, os brancos mais velhos que votam em Trump não foram os setores que mais sofreram com a crise econômica recente. Yglesias sustenta que a ansiedade racial —a percepção de que outros grupos étnicos estão ascendendo socialmente em detrimento dos branco— explicaria melhor a votação expressiva de Trump. De fato, o racismo da campanha de Trump é evidente e lhe rendeu entusiasmado editorial recente do jornal oficial da Ku Klux Klan.

Nas duas explicações (que podem ser complementares) vemos elementos do declínio de um valor típico dos anos 1990: o cosmopolitismo, a crença em um mundo integrado economicamente, sim, mas também em torno de alguns valores de tolerância e abertura. Como lembrou recentemente o economista Dani Rodrik, é provável que os defensores do livre-comércio tenham ajudado a criar essa crise prometendo mais do que a abertura comercial poderia entregar. Mas, mesmo se, como parece provável, Trump perder amanhã, é difícil não ter a impressão de que a globalização parece ter mais chance de cair pelas suas qualidades do que pelos seus defeitos.


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