Folha de S. Paulo


Aprovação do teto de gastos aumenta o custo de contestar ajuste

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 05-10-2016, 12h00: O presidente Michel Temer, ao lado do ministro Eliseu Padilha, durante solenidade de posse do novo ministro do Turismo Marx Beltrão, no Palácio do Planalto. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O presidente Michel Temer, que articula para aprovação da PEC 241

Tudo indica que a PEC 241, que estabelece um teto para os gastos públicos por vinte anos, será aprovada. Só os partidos de esquerda a ela se opuseram. E, se os partidos de esquerda tivessem o número de votos necessários para barrar a PEC, Dilma Rousseff ainda seria presidente.

Há colunistas melhores do que eu para dizer ao leitor se a aprovação da PEC é ou não condição para o Brasil evitar um calote. As considerações a seguir se sustentam mesmo se a PEC for necessária.

Começar o ajuste com o teto de gastos (e não, por exemplo, com a Previdência) é uma jogada política ousada. Se o teto passar, mas os outros ajustes não passarem, o teto terá sido um erro, aí sim, indiscutível. Nesse caso, nós não teremos desarmado a bomba fiscal, só nos deslocado com ela para um recinto menor.

Por quê? Porque, se as contas dos defensores das reformas estiverem corretas, os gastos públicos no Brasil vinham caminhando faz tempo para se tornarem insustentáveis. Os erros da Nova Matriz Econômica aceleraram a colisão, mas a trajetória era clara. Os gastos vinham crescendo mais que a economia, exigindo que o governo aumentasse a carga tributária.

O teto não faz nada para interromper essa trajetória. Isto é, se só o teto de gastos passar, a Previdência, por exemplo, vai comer um pedaço cada vez maior de um bolo que ficará do mesmo tamanho por vinte anos. Se o processo continuar indefinidamente, uma hora todo o gasto público será com aposentadorias.

Parece péssimo, e é, e esse é o plano. O governo certamente conta com essa ameaça para aprovar as outras reformas. Imagino que tenham começado com o teto porque os prejuízos que ele traz são mais difusos do que, por exemplo, os da reforma da Previdência ou da negociação dos salários do funcionalismo. Se forem votar a reforma da Previdência amanhã, hoje à noite todo mundo já vai ter feito a conta de quanto vai ter que trabalhar a mais. Mas é difícil saber o quanto cada um vai sofrer se a PEC 241 for aprovada.

Os riscos são evidentes. Imaginem o cenário em que as delações da Lava Jato enfraquecem enormemente a legitimidade do governo ou dos congressistas. Imaginem um cenário em que a aprovação do teto dá um fôlego à economia e tira dos parlamentares o senso de urgência para aprovar as outras reformas. Nesses cenários, o risco de "teto sem reformas" aumentaria.

Por isso, a aprovação do teto de gastos é um momento político decisivo para a vida política brasileira nos próximos anos. Ela aumenta muito o custo de contestar o ajuste, e, aliás, o governo que o implementa: com o teto, as reformas passam a ser mais urgentes, e um governo estável se torna cada vez mais necessário.

E, apesar disso, podemos esperar um acirramento das disputas políticas e sociais nos próximos anos. O aumento do gasto e a inflação foram válvulas de escape para os conflitos sobre o Orçamento: enquanto foi possível aumentar os gastos, foi possível evitar escolher vencedores nessas disputas. De agora em diante, o conflito pelo Orçamento é algo próximo a um jogo de soma zero.

O que parece claro é que, para toda uma geração (estamos falando de 20 anos), a política e a Constituição podem tornar-se completamente diferentes do que foram desde 1988.


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