Folha de S. Paulo


Há razões para o otimismo?

Vocês vão achar que é mentira, mas achei alguém otimista com o Brasil. E não é gente desinformada, muito pelo contrário.

Na última terça-feira (5) participei do debate de lançamento do livro "Brazil in Transition", de Marcus André Melo, Carlos Pereira, Bernardo Mueller e Lee Aston, no auditório da Folha. Os outros debatedores foram os faixas-preta Zeina Latif, Marcos Lisboa e Sergio Fausto.

O livro é, antes de mais nada, uma análise do progresso institucional brasileiro desde a constituição de 1988, baseada na ideia de que nossas crenças mudaram e a liderança de Fernando Henrique Cardoso se mostrou oportuna em uma determinada janela de oportunidade. Vinicius Mota, secretário de Redação da Folha, apresentou o argumento com mais profundidade na "Ilustríssima" de 3 de julho.

Aqui quero me concentrar na previsão que esta análise gerou. Os autores preveem que o Brasil está prestes a fazer a transição para ser um país razoavelmente desenvolvido.

Não se trata de dizer que estamos prestes a ter a renda dos países ricos, mas sim que nossas instituições e crenças vêm se tornando consistentemente mais parecidas com as que produziram desenvolvimento nos pouquíssimos países que fizeram a transição para a primeira divisão. Uma vez que os economistas hoje em dia tendem a acreditar que foram essas instituições que fizeram a diferença entre países desenvolvidos e o resto, as perspectivas brasileiras seriam boas.

Entendo o ponto de vista dos autores, e entendo perfeitamente que não estão dizendo que de agora em diante não há mais nada difícil a ser feito. Meu problema com a previsão é outro.

Parte importante do progresso institucional recente se deu porque a política brasileira funcionou muito melhor do que se pensa. A competição entre PT e PSDB gerou alternância de poder de fato, o que foi excelente para o desenvolvimento institucional. Além disso, como disse Melo no debate, PT e PSDB ajudaram o sistema partidário a se tornar mais "vertebrado".

De modo que, se me convencerem que, ao fim da crise atual, a política brasileira terá dois polos igualmente representativos, que nos tornem vertebrados de novo e mantenham a competição política em nível civilizado, eu compro o otimismo dos autores.

Mas isso vai acontecer? No debate de terça, Pereira respondeu que estamos diante de algo análogo ao que o economista Joseph Schumpeter chamou de "destruição criadora": se os partidos atuais não se mostrarem mais à altura das tarefas do dia, serão substituídos por outros. Sérgio Fausto discordou: a política não é como a economia, e construir partidos consistentes é uma tarefa muito difícil, que não conta com os mecanismos que favorecem a inovação no mercado.

Tendo a concordar com Fausto, mas não há como, já na saída, descartar a hipótese de Pereira. A inovação política, como a econômica, é imprevisível. É perfeitamente possível que surjam na política brasileira líderes e movimentos capazes de reorganizar com competência, à esquerda e à direita, as ruínas do que sobrar da política brasileira quando as delações chegarem nos próximos meses.

Mas, para usar os conceitos dos autores de "Brazil in Transition", me parece notável que, nos dois últimos anos, as lideranças da direita e as crenças da esquerda regrediram ao nível pré-1994. Talvez estejamos perto do fim da escalada, mas esse trecho final parece particularmente íngreme.


Endereço da página:

Links no texto: