Folha de S. Paulo


Comprem Marina

Se políticos fossem ações, essa talvez fosse uma boa hora para comprar Marina Silva. As adesões de Alessandro Molon, Miro Teixeira, Randolfe Rodrigues e João Derly começam a dar à Rede uma estrutura política que ela não tinha em 2014. O fato de todas as adesões virem da esquerda ou da centro-esquerda reforça seu posicionamento ideológico. E a conjuntura política está se tornando favorável aos sonháticos.

O PT atravessa a pior crise de sua história, e não tem como oferecer muita resistência a um desafiante na centro-esquerda. A acusação de que Marina era uma neoliberal disfarçada que faria o mesmo que o PSDB não funciona desde que o PT, enfim, fez o mesmo ajuste que o PSDB. O ajuste tinha mesmo de ser feito.

E Marina Silva pode dizer, com toda propriedade, que além do ajuste e de diversas medidas liberalizantes, também defendia medidas redistributivas. Por exemplo, propunha uma meta para redução do coeficiente de Gini (que mede a desigualdade de renda) para 0,50: está no programa de governo de Marina, na página 54. O PT poderia copiar essa proposta (já que está mesmo nesse embalo), e isso estaria de acordo com sua história. Entretanto, no momento, está limitado a se defender dos pesadeláticos de Eduardo Cunha.

Além disso, o PT em crise reforça suas posições de esquerda para se defender e evitar perder o núcleo duro de sua base social. Isso talvez garanta sua sobrevivência, mas torna praticamente obrigatório que se alie a alguém mais ao centro caso uma nova candidatura Lula não seja viável. Isto é, o PT "de volta à esquerda" talvez seja o aliado à esquerda de alguém daqui a alguns anos, e esse alguém pode ser Marina Silva (há outras alternativas, como Ciro Gomes).

Por outro lado, o PSDB na guerra pelo impeachment se deslocou bastante para a direita. Isso é normal. Eram os militantes aguerridos que estavam à mão. Ao mesmo tempo, deixou pelo caminho a bandeira da responsabilidade fiscal (que, por razões históricas, teria direito de empunhar). A bancada do PSDB tem apoiado medidas fiscalmente irresponsáveis, e já renegou o fator previdenciário e a reeleição. Segundo nossas projeções, nesse ritmo, em poucos meses já terá renegado o Plano Real, voltado ao PMDB, dissolvido o Cebrap e enviado um ciborgue ao passado para matar a mãe de Fernando Henrique Cardoso (ou a de Florestan Fernandes).

A avenida da centro-esquerda responsável está aberta a Marina. Não sabemos se PT e/ou PSDB conseguirão fechá-la até a próxima eleição, mas há uma janela para a consolidação da Rede e de sua fundadora como forças a serem reconhecidas.

Marina ainda enfrentará muitos obstáculos para consolidar seu partido, e descobrirá que não é por acaso que as outras forças políticas não implementam seu programa. Há ali uma conciliação de interesses muito difícil de ser amarrada: entre defensores do liberalismo e da redistribuição, entre os que defendem crescimento e os que defendem o meio ambiente, entre os cristãos praticantes e a esquerda pós-marxista. Nem todo aliado necessário terá o perfil de Alessandro Molon. E talvez Marina surja cedo demais como alguém a ser batido.

De qualquer forma, analistas apressados e superficiais que acharam que Marina acabou em 2014 (por exemplo, eu) estavam claramente equivocados.


Endereço da página: