Folha de S. Paulo


Por que gastamos tanto com smartphones e os tratamos como descartáveis?

Você tem um celular com cerca de um ano de uso, em boas condições, mas acompanha as notícias de tecnologia e sabe que foi lançada uma nova geração do aparelho. Pela propaganda, você acha o smartphone sensacional e resolve conferir o preço. Mas ao chegar à loja encontra o aparelho com um valor assustador, de quase R$ 4.000.

Ainda assim, o vendedor fala maravilhas sobre o celular, seus amigos compraram e estão recomendando. Resultado: você está prestes a se sentar no balcão para conferir as condições de pagamento, mesmo sabendo que acabou de quitar a última parcela do aparelho atual. E sem refletir se o telefone novo fará, mesmo, tanta diferença em sua vida.

Esta coluna poderia falar apenas sobre o aspecto consumista do exemplo, mas cabe aqui outra reflexão. Quantas horas de trabalho são necessárias para comprar um celular novo? Façamos a conta, considerando os dados mais atualizados da Pesquisa Mensal de Emprego, do IBGE, segundo a qual o salário médio de seis regiões metropolitanas do Brasil é de R$ 2.170,70. Levando em conta este rendimento líquido, uma pessoa recebe R$ 3,01 por hora de trabalho.

Em uma busca rápida na internet, podemos encontrar um iPhone 5S com 16GB por cerca de R$ 1.600. Ou seja, com o salário citado, seria preciso trabalhar 531 horas para comprar um aparelho que nem é o mais atual do mercado.

O banco suíço UBS elaborou, em 2013, o índice iPhone, que apontava quantas horas de trabalho eram necessárias em diversos países para comprar o aparelho. Segundo os dados, um morador de São Paulo precisaria trabalhar cerca de 109 horas para comprar o iPhone 6. Em Zurique, o tempo caía para 20 horas trabalhadas.

Isso leva a uma segunda reflexão: se pagamos tão caro para ter um celular que está na moda, porque tratamos o aparelho como se fosse algo descartável? O exemplo do início do texto reflete uma situação bastante comum. Quem nunca teve um celular obsoleto em casa?

Vivemos em um país com um custo altíssimo, indústria com dificuldades para lidar com a alta carga tributária -que deve ficar ainda mais pesada com o pacote de medidas anunciadas pelo governo para reduzir o deficit do Orçamento de 2016. E o consumidor tem de arcar com uma conta ainda mais injusta, pois sofre o impacto desses custos e de margens de lucro que são fora da realidade.

Hoje, o mercado oferece opções que permitem que o consumidor enxergue seu smartphone usado como um bem, e não simplesmente como um dispositivo descartável. Sites como o Ziggo, Brused e Uzlet auxiliam na compra e venda de smartphone e tablets usados. Também há operadoras que oferecem desconto na compra de um celular novo se você entregar o usado -é possível obter descontos de até R$ 2.100.

Mais do que pensar no valor que compensa ser gasto em um celular, a questão é como você trata o aparelho após a compra. Se o comércio já pratica preços absurdos, mais surreal ainda é você trabalhar tanto para comprar um celular e depois deixar o "investimento" na gaveta do criado mudo.


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