Folha de S. Paulo


A memória pode se disfarçar de estatística e gerar muitos prejuízos

Você consegue medir o quanto a repetição de determinado assunto pode afetar as suas decisões? Imagine que você esteja prestes a fazer uma viagem internacional e o seu local de destino sofre um ataque terrorista. A notícia certamente vai abalar você e fazer repensar seus planos.

A repetição constante do ataque na mídia, as repercussões, imagens de funerais, pessoas desesperadas pelas ruas, edifícios em chamas, tudo isso ajudará a reforçar o medo e a dúvida em você.

A verdade é que o fato ocorrido não aumenta a probabilidade de a mesma situação acontecer dias depois, mas a comoção do assunto afeta a sua percepção estatística. Em psicologia, isso é chamado de cascata de disponibilidade.

Se você toma conhecimento que um amigo foi assassinado durante um assalto, a dor do acontecimento e a repercussão do assunto por um bom tempo em seu círculo social fará com que seu medo de morrer da mesma forma seja maior do que por um atropelamento, por exemplo. Mesmo sem saber qual dos dois infortúnios é estatisticamente mais provável.

Esse efeito de cascata interfere também em assuntos mais cotidianos, não tem repercussão somente em assuntos trágicos. Quer um exemplo? A facilidade com que as pessoas são seduzidas por esquemas de pirâmide. Aquele discurso de que você pode ganhar dinheiro e crescer muito indicando para X amigos e os mesmos propagando a mensagem gera um efeito repetitivo que levam as pessoas a crer naquilo.

Avalie bem, você conhece algum esquema de pirâmide que tenha feito todos os seus integrantes ficarem ricos? Com certeza não, mas você já pode ter se sentido tentado a ingressar em algum, por influência de alguém próximo.

O comércio também explora isso da maneira como pode. As pessoas que fazem seguro de celular normalmente já tiveram o aparelho roubado em algum momento da vida ou conhecem alguém que tenha passado por isso.

Você sempre soube que dirigir alcoolizado não é uma decisão inteligente, mas passou a se preocupar mais com isso quando a fiscalização apertou e as blitze da Lei Seca estavam diariamente no noticiário.

Não podemos constantemente estimar, de cabeça, a probabilidade de eventos bons ou ruins ao nosso redor. Em vez disso, confiamos muito mais na máquina de criar falsas estatísticas através de nossas memórias recentes.

Se por um lado o mecanismo pode nos levar a tomar atitudes mais responsáveis, como voltar para casa de táxi depois de beber umas cervejas, por outro vale o bom senso para que ele não colabore para decisões financeiras infundadas.

Post escrito em parceria com Karina Alves, editora do site Finanças Femininas


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