Folha de S. Paulo


Os problemas que criamos com as nossas "verdades"

Da próxima vez que você se dispuser a debater política com uma pessoa que tenha um posicionamento totalmente contrário ao seu, tente fazer o exercício de deixar de lado as suas próprias convicções para tentar entender melhor o ponto de vista do outro.

O desafio pode parecer muito difícil e apostaríamos que seu impulso inicial seria dizer "não" mentalmente à proposta. Ainda mais no contexto em que estamos vivendo, em que divergências políticas acabam virando pano de fundo para brigas feias.

Apesar da dificuldade da proposta, você verá logo mais que o exercício vale a pena para diversas situações do nosso cotidiano. Você sabe de onde surgem os preconceitos? Já parou para pensar de onde vem os seus bloqueios em relação a pontos de vista que não condizem com sua visão de mundo?

A verdade é que ter a cabeça aberta não é tarefa simples. Para isso, é preciso confrontar constantemente uma tendência natural de nossas mentes: estamos sempre em busca de dados e pontos de vista que confirmem nossas impressões, nossa visão de mundo.

Aquelas informações que não condizem com as convicções que criamos são logo descartadas. Em suma, fazemos justamente o oposto do que pregam os cientistas quando vão testar suas teorias. Eles recomendam testar hipóteses contrárias àquilo que acreditam, como forma de descartá-las e validar suas teorias com maior propriedade.

No ramo da psicologia cognitiva, o que fazemos é chamado de viés de confirmação. Nós praticamos esse conceito o tempo todo, muitas vezes inconscientemente. Quer ver um exemplo banal? Quando seu time de futebol surge na conversa de bar, você logo vai se lembrar de alguma vitória épica que garantiu a conquista de um título.

Nem vai passar pela sua cabeça o dia em que o time perdeu de goleada para uma equipe da terceira divisão. É sua memória associativa trabalhando para validar suas convicções de que não há time no Brasil melhor que o seu.

E assim como fazemos o que exemplificamos na política e no esporte, a tendência pode se replicar quando o assunto é dinheiro. Se você estiver convencido do velho senso comum de aplicar suas reservas financeiras na caderneta de poupança, por considerá-la o instrumento mais seguro, é bem possível que apresente certa relutância se uma outra opção for apresentada.

Se um especialista apresentar uma outra opção de renda fixa, igualmente conservadora, porém com retornos financeiros muito mais interessantes, você precisará fazer um certo esforço para abrir a sua mente para essa ideia e deixar de lado aquilo em que você acredita.

No mesmo sentido, você pode se tornar uma pessoa menos criteriosa para tomar decisões profissionais se suas convicções estiverem direcionadas para um único foco. Por exemplo, o fato de você se impressionar com a pontualidade e cordialidade de um novo funcionário de sua empresa pode fazer com que você não perceba (ou demore a perceber) a falta de eficiência dele para o cargo que assumiu.

Criar o hábito de questionar os nossos pontos de vista, escutar e perceber aquilo que é diferente do que nós acreditamos só contribui para que tenhamos uma visão de mundo mais ampla. Em vez de quebrar a cabeça discutindo política, futebol ou dinheiro, procure antes repensar se suas verdades são mesmo tão absolutas.

Post escrito em parceria com Karina Alves, editora do site Finanças Femininas


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