Folha de S. Paulo


A grama do vizinho é realmente mais verde?

A inveja é um sentimento natural - não é à toa que ela está nos dez mandamentos. Desejar o que os outros têm, ainda mais em tempos tão consumistas, não é nenhuma novidade. No entanto, será que todas as posses do seu vizinho são mais valiosas do que as suas - e que a grama dele é mais verde?

Esse ditado vai contra a pesquisa sobre o "efeito dotação". De acordo com estudos, nós tendemos a valorizar mais o que é nosso.

É este efeito que está por trás do fenômeno da reforma de apartamentos: todo casal que vai reformar acredita que assim vai conseguir valorizar o imóvel. Afinal, quem é que não pagaria a mais por tantas melhorias? A reforma não é o problema em si - ainda mais se ela focar apenas nos aspectos estruturais e em melhorias genéricas do apartamento, como hidráulica, elétrica e instalação de ar condicionado.

Contudo, mudanças mais radicais –como trocar os banheiros de lugar ou reduzir o número de quartos– não necessariamente agregam valor ao imóvel. Pelo contrário, podem, inclusive, depreciar o valor

Para os donos atuais do apartamento, parece óbvio que qualquer outra família amaria morar ali - e pagaria um prêmio por um apartamento tão bem cuidado. Todavia, quem procura um apartamento pode não desejar ter uma banheira no quarto do casal e, desta forma, não ver valor na reforma.

Isto explica porque tantos imóveis demoram a ser vendidos: a percepção de valor do proprietário pode ser muito superior à dos compradores. Quando ninguém mais vê tanto valor como você naquele lindo apartamento reformado, muitos preferem esperar para encontrar o comprador perfeito, a aceitar uma queda no preço.

Quanto mais apaixonados somos pelo bem - seja ele uma casa, um carro ou até um time de futebol -, mais distorcida será a nossa percepção do seu preço (ou valor). É o que está por trás da inflação constante de preços de imóveis do índice Fipe Zap - todos acham que seu imóvel é mais especial e, portanto, mais caro que os demais.

Em um experimento realizado por Daniel Kahneman e Richard Thaler, objetos de consumo simples, como canecas e canetas, eram distribuídos de forma aleatória para um grupo de estudantes. A ideia era ver quantos estariam dispostos a trocar a sua caneca por uma caneta, ou vice-versa.

Os autores descobriram que o volume de trocas era muito mais baixo do que o esperado: quem recebeu uma caneca estava feliz com ela, assim como que recebeu uma caneta.

A discussão é válida para avaliarmos nosso apego aos nossos bens de forma mais racional.

Se você quiser fazer uma reforma mais radical no seu novo imóvel, pense duas vezes: será que as mudanças são válidas para todos, ou você só está fazendo uma racionalização (a mudança vai valorizar o imóvel) para justificar um desejo seu? Se for o segundo caso, tome cuidado: por causa do efeito dotação, você pode ter criado uma percepção de valor que não corresponde à realidade.

Post em parceria com Carolina Ruhman Sandler, jornalista, fundadora do site Finanças Femininas e coautora do livro "Finanças femininas - Como organizar suas contas, aprender a investir e realizar seus sonhos" (Saraiva).


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