Folha de S. Paulo


Como o brigadeiro gourmet afeta nossa percepção de preço

Você provavelmente já deve ter reparado na nova onda gourmet que, aos poucos, vem dominando o Brasil: primeiro foram os brigadeiros gourmets. Aos poucos, vieram as cervejas artesanais. Agora temos um hot dog prime, cheeseburguer com carne wagyu, pudim de leite com fava de baunilha e assim por diante.

Nossa ideia aqui não é criticar as iguarias, mas sim questionar como esses novos produtos conseguem colocar preços tão mais altos do que os seus primos pobres, como o distante brigadeiro de padaria, feito de achocolatado e margarina.

Neste exemplo, a diferença parece pouca: R$ 1 o docinho simples, contra R$ 4 na versão gourmet –mas ela é de 300%. Isso porque nem olhamos para os preços do supermercado para ver quanto sairia comprar todos os ingredientes para fazer o seu brigadeiro caseiro (a partir de R$ 10, com uma capacidade de fazer dezenas de docinhos por panelada).

Alguém logo virá dizer: os ingredientes são diferentes, são mais sofisticados - e, por isso, o preço é superior. Mas como passamos a justificar pagar um valor tão maior por um produto que é, essencialmente, o mesmo?

Aqui vale entrar na ideia de coerência arbitrária, discutida na base da economia comportamental. Segundo ela, o preço inicial de um produto novo é arbitrário. No entanto, a partir do momento em que ele fica estabelecido como o preço justo, ele determina todos os preços correlacionados.

É o que ocorre com a casa de hot dogs gourmet. Para quem está acostumado a comer um cachorro-quente na rua, pagar R$ 20 por uma versão "prime" pode parecer um abuso. No entanto, ao ler o cardápio com calma, você verá que esse não é o seu sanduíche comum. Pelo contrário! Ele leva um molho especial, salsicha gourmet e acompanhamentos dignos de um risoto. Você logo se convence de que o preço é certo - e nem questiona se pagar R$ 10 pela cerveja artesanal é justo ou não.

A coerência diz que ao tomarmos um preço como referência, todos os outros serão comparados a ele. No entanto, ela é arbitrária: um carimbo "gourmet" justifica um preço mais elevado.

No entanto, essa decisão não tem um impacto isolado. Na realidade, ela impacta todas as nossas decisões futuras a respeito de brigadeiros, cachorros-quentes e cervejas, pois nos acostumamos com um novo patamar de gasto, com base no nosso próprio comportamento. Ela vira um hábito e você se percebe como o tipo de pessoa que paga R$ 4 por um brigadeiro.

Não parece haver mal nenhum –até você querer encomendar os docinhos para a festa de aniversário do seu filho e ver os R$ 4 se multiplicarem várias vezes.

Post em parceria com Carolina Ruhman Sandler, jornalista e fundadora do site Finanças Femininas


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