Folha de S. Paulo


Como ganhar R$ 10 mil em um dia pode não trazer felicidade

A resposta óbvia aqui parece ser "sim", certo? Afinal, todo mundo gosta de ganhar um dinheiro extra. Independentemente de quanto você ganha, R$ 10 mil a mais na conta, de um dia para o outro, não teriam por que deixar alguém infeliz. Ou teriam?

Tudo depende da sua expectativa. Um jogador no cassino que, em determinado momento da noite, chegou a ganhar mais de R$ 150 mil, mas perdeu a maior parte deste valor e voltou para casa com apenas R$ 10 mil, não vai achar o resultado bom –pelo contrário, ele é capaz de achar que deu um grande azar.

Se, por outro lado, você simplesmente participou de um bingo recebeu o prêmio máximo do jogo –aqueles mesmos R$ 10 mil–, sua reação será completamente diferente.

O fenômeno que explica essa diferença brutal de percepção, mesmo quando o resultado é o mesmo, foi estudado por Daniel Kahneman, vencedor do Prêmio Nobel, por meio da nossa relação com a dor.

No experimento, Kahneman testou as preferências de um grupo de estudantes em relação a dois tipos de experiências dolorosas. Em um primeiro momento, mergulhar a mão em um balde d'água a uma temperatura baixa (14°C) por um minuto, e depois, com a outra mão, mergulhá-la em um recipiente igual pelo mesmo tempo, mas deixá-la lá por mais 30 segundos enquanto a temperatura subia 1°C, para uma experiência um pouco menos desconfortável.

Depois, ele perguntava aos alunos qual dessas situações eles preferiam repetir: a mais curta ou a mais longa. O resultado: a maioria preferia a segunda opção, a mais longa.

Parece contraintuitivo? Segundo Kahneman, a ideia por trás da descoberta é que a sensação melhor no fim da segunda experiência provocava uma memória mais favorável do episódio. Por terminar com um nível de desconforto menor, a maioria preferia repetir essa versão do teste, mesmo que fosse mais duradoura. Alguns, inclusive, acreditavam que as duas experiências tinham a mesma duração de tempo.

Isso nos ensina que a nossa avaliação de um episódio doloroso ou desconfortável pode ser melhorada se, ao fim dele, for acrescentada uma melhora geral na condição. Ou seja: nossa memória pode nos levar a cometer erros.

Esse é o caso dos professores, que preferem um aluno que começou com um trabalho nota 2, mas termina o semestre com um 7, frente ao aluno que foi do 10 ao 4. Ou o técnico de futebol, que pode ter tido um bom ano, mas perde o cargo depois de três jogos ruins. O caminho importa tanto –ou mais– do que o resultado final.

Escrito em colaboração com Carolina Ruhman Sandler, jornalista e fundadora do site Finanças Femininas.


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