Folha de S. Paulo


20 anos de Plano Real

Em 1º de julho deste ano, o Plano Real completará 20 anos. Como tudo na vida (e na economia não é diferente), ônus e bônus fizeram e fazem parte deste plano ao longo destas duas décadas.

Com isso, podemos pensar que é um bom momento para refletir sobre qual tem sido o saldo líquido para os brasileiros. Ao longo dos próximos artigos faremos uma recapitulação dos planos econômicos implementados desde a redemocratização do país até chegar ao Plano Real.

Questões polêmicas e partidárias à parte, uma coisa é fato: os brasileiros se acostumaram com os benefícios propiciados pela estabilidade de preços, dentre os quais destacamos o fato de poder planejar.

Isso foi uma verdadeira e grande conquista, desde a confecção de um orçamento doméstico até um planejamento de linhas de produção de grandes empresas.

Mas nem sempre foi assim. As incertezas causadas pela hiperinflação não permitiam aos agentes econômicos estimar o comportamento das variáveis macroeconômicas, com um mínimo de segurança, para o mês seguinte.

Pode-se dizer que uma geração inteira não conheceu o fenômeno da hiperinflação, sobretudo quem nasceu sob a égide do Plano Real, de 1994 para cá. A segunda metade dos anos 80 e a primeira metade dos anos 90 foram períodos delicadíssimos para a economia brasileira.

Vários planos emergenciais foram criados para congelar os preços, cortando até três zeros da moeda, que, inclusive, mudou várias vezes de nome. Tudo com o intuito de combater a inflação inercial. É interessante ainda notar que este é um dos tipos de inflação mais complicados de se combater, uma vez que é muito difícil detectar a sua origem.

Para melhor entender, a inflação inercial é caracterizada por um aumento contínuo e generalizado dos preços no qual a inflação passada mais as expectativas com relação ao comportamento de preços no futuro contribuem para alimentar o próprio mecanismo de reajustes de preços dos meses seguintes.

E piora quando esse mecanismo é crescente, ou seja, quando a inflação de um mês é cada vez maior do que a inflação do mês anterior.

Os choques econômicos de curto prazo causados pelos planos de estabilização econômica daquela época conseguiam momentaneamente controlar os preços. Em 28 de fevereiro de 1986 foi implementado o primeiro plano econômico da era da redemocratização do país, que foi o Plano Cruzado.

Naquele mês, a inflação foi de aproximadamente 20%, o que significa uma inflação anual de 791,61%. Cifra inimaginável para a geração atual, cuja meta para a inflação anual de 2014 é de 4,5%.

Uma pesquisa da equipe econômica do governo na época foi realizada alguns dias e até semanas antes do anúncio oficial, para elaborar uma tabela de preços. O governo substituiu cada Cr$ 1.000 por um CZ$ 1 e congelou os preços.

Essa medida reduziu os impactos causados pelo imposto inflacionário, ou seja, a perda do poder de compra da moeda para a inflação, que junto com o aumento real de cerca de 8% no salário mínimo, concedido pelo presidente da época, José Sarney, impulsionou a demanda agregada.

Como a estrutura produtiva da economia não estava preparada, a oferta de bens e serviços não foi suficiente para atender a esse súbito aumento na procura e os preços voltaram a subir. Houve escassez de produtos essenciais, sobretudo de alimentos.

Os estabelecimentos comerciais passaram a cobrar ágio, ou seja, um preço a mais daquele permitido pela tabela determinada pelo governo. Filas eram formadas nas portas dos supermercados e, quando eles abriam, o que se via era uma correria para comprar os poucos itens que ainda podiam ser encontrados nas prateleiras.

Enfim, o Plano Cruzado foi implementado para combater uma inflação inercial, mas o seu resultado efêmero provocou uma inflação de demanda em poucos meses.

E esse comportamento foi semelhante nos planos econômicos subsequentes: o Plano Bresser em 1987, Plano Verão em 1989 e Plano Brasil Novo –também conhecido como Plano Collor– em 1990. No próximo artigo, serão abordados esses planos e a preparação para a implementação do Plano Real.

Post em parceria com o professor Fernando Antônio Agra Santos (Universidade Salgado de Oliveira, campus Juiz de Fora-MG), economista pela UFAL, doutor em economia aplicada (UFV) e economista da UFJF, www.fernandoagra.webnode.com


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