Folha de S. Paulo


Fábrica de micróbio

RIO DE JANEIRO - Um determinado micróbio, instalado no corpo de um curador de resíduos, chegou com o recorte de jornal e mostrou aos seus colegas que estavam com a vida ameaçada. Convocou uma assembleia geral e avisou que um tal de Fleming havia descoberto uma droga chamada "penicilina". Um dos líderes, subindo num caixote, comunicou a recente descoberta da ciência humana.

Foi uma convulsão. Em sessão extraordinária, os micróbios sugeriram uma resistência coletiva. Executivos, legisladores e magistrados ocuparam a tribuna, pediram que todos se unissem numa causa comum, combatendo o novo inimigo que já estava a ponto de destruir os micróbios, que, por direito e tradição, pertenciam a todos, desde os treponemas pálidos, responsáveis pela sífilis, até o baixo clero responsável pelo bicho-de-pé que atacava camponeses e favelados.

Depois de muita discussão, decidiram lutar até a morte contra o invasor que mataria todos eles.

Nisso, chegou um velho micróbio, de cabelos brancos, trêmulo, apoiado numa bengala e com uma pequena mala onde botara seus trecos: livros e discos de rock. Causou uma revolta geral, num momento tenso que acabaria com toda a espécie de micróbio.

Pediram que o velho reconsiderasse a sua decisão, deveriam ser solidários e lutar contra o invasor que acabaria com a raça de todos eles.

Subindo à tribuna, o velho micróbio disse que a coisa agora era preta, o novo medicamento seria o equivalente à bomba atômica que destruíra Hiroshima. Por isso, ele decidira ir embora na primeira urina do dia.

Pulando dos micróbios para nós, os homens, a solução seria uma retirada geral, indo todos para um planeta distante, onde poderíamos viver em paz, sem correr o risco dos lava-jatos, das armas químicas e do Imposto de Renda.


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