Folha de S. Paulo


O poema e a poesia

RIO DE JANEIRO - Não gosto dos poemas. Do ângulo em que me coloquei na vida e no mundo, nada do que vejo, sinto, recebo ou dou tem alguma coisa a ver com aquilo que, à falta de nome melhor, chamamos de poesia. A poesia existe e não precisa de poema. Qualquer veículo (até mesmo a carroça de boi) pode transmitir a poesia: a pesca, a filatelia, o futebol, o pôr do sol da folhinha do armazém.

Embora sem fanatismo, eventualmente curto a poesia em coisas tais e tantas e não preciso do poema para isso. Evidente que o poema ficou sendo o veículo ideal, o mais específico da poesia –mas é nele, justamente, que a poesia me insensibiliza, me entedia e, às vezes, me farta. Aprecio um poema pela sua rigidez formal, sua bolação estrutural, mas a possível carga poética não me diz nada.

"Les sanglots longs des violons, ora direis, ouvir estrelas, tu pisavas os astros distraída, meu ser evaporei na lida insana, na minha terra tem palmeiras, é pau, é pedra, é o fim do caminho, são tempos idos e vividos, as armas e os barões assinalados" –podia encher o universo com frases assim, mas não é nelas que surpreendo, absorvo e capto aquele momento mágico que se libera do verso poético e se condensa na única forma de beleza que me gratifica: a liberdade.

O meu pavor ao poema é veraz, não é uma atitude ou comportamento: é (também) uma das minhas formas de liberdade. E a própria liberdade tem seus macetes.

Nada tem a ver com hinos e estandartes, manifestos, passeatas, programas partidários e religiosos. "Aut Dante, aut nihil." Prefiro o nada, por isso nunca fiz um verso.

Agora, basta esta confissão de desamor ao poema e às parafernálias que o cercam, que torna redundante ou inútil para aqueles que, na humildade que só o orgulho dá, são realmente livres para dizer que o rei está nu e o poema vestido demais.


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