Folha de S. Paulo


Aviso aos navegantes

RIO DE JANEIRO - De maneira geral, todos os brasileiros estão passando por momentos difíceis. Fomos todos atropelados pela jamanta da inflação e, além da inflação, pelo desemprego que, como a sífilis de antanho, pode pegar qualquer um que der bobeira.

Pior do que tudo, é a falta de sentido que tombou sobre nosso destino nacional. É o caso de se perguntar: até que ponto há um profeta Jonas nisso tudo, que precisa ser expelido para que a bonança também retorne às águas da nação?

Ninguém tem nada contra os Jonas da vida: haverá sempre uma baleia prestativa e generosa que o abrigará em seu ventre e o depositará incólume, em lugar seguro. Para os verdadeiros náufragos, qualquer pedaço de chão serve.

Que a nação atravessa péssima fase, atravessa. Sem descer a detalhes, podemos garantir que nunca, nunca mesmo, curtimos vinagre igual. Tão imensos são os problemas, e tão distantes as soluções, que ninguém mais se preocupa em saber quem foi o culpado.

Voltando à ideia do naufrágio: o importante é ficar à tona, procurar chegar a chão firme. O náufrago que se preza não perderá tempo em saber se o comandante foi incompetente, se a tripulação dormiu na hora em que foi atropelado pela jamanta.

Mesmo assim, admito minha parcela de culpa na crise nacional. Passei alguns anos gozando perdulariamente o meu pão feito de trigo subsidiado, gastando minha gasolina a preço de banana, enfim, cooperei, com meus apetites de pequeno burguês ávido de gozos, para que montássemos a dívida apocalíptica que se tornou tão abominável que tanto faz agora que a paguemos ou não: parece que dá no mesmo.

As mais respeitáveis vozes da nação afirmam que o tempo é de trabalho. Nunca se ouviu dizer que o tempo não fosse de trabalho. Mas o trabalho vem sendo cada vez mais substituído pela corrupção oficial e particular.


Endereço da página: