Folha de S. Paulo


Carta que nunca escrevi

RIO DE JANEIRO - Reconheço que a crônica é ímpia para esses dias de confraternização e piedade, mas nem por isso me liberto da necessidade de reclamar contra a inexistência de Papai Noel e de Deus. Não me interessa a verdade desta questão, nem apelarei para a Comissão Nacional da Verdade. "Quid est veritas?" –perguntou Pilatos a Cristo. Não teve resposta.

De minha parte, faço o que posso. Ergo minha árvore de Natal e fico esperando que alguma coisa aconteça. Nos últimos anos, via satélite, assisto à "Missa do Galo" rezada pelo papa no Vaticano. É um espetáculo bonito, que muito me comove. A mensagem do Natal fala de pastores, de estrelas e da imensa noite da Judeia onde apareceu uma milícia de Anjos cantando a "glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade".

São coisas que não existem no nosso dia a dia de todos os dias. Mas não custa esperar que alguma coisa de bom ou de belo aconteça no mundo e em mim mesmo. Para os meus lados, ano após ano, cada Natal me trouxe uma dose de desesperança e vazio.

Bem verdade que não rezo mais, desaprendi todas as orações que me ensinaram. Tampouco escrevo cartas ao Papai Noel. Aliás, não sou de escrever carta alguma e olha que já escrevi muita coisa pior e mais abominável.

Um pouco de humildade talvez me salve. Ano que vem tentarei ( se ainda estiver vivo), ver o que acontece. Não é nada, não é nada, talvez a culpa seja, como sempre, de minha carne má, egoísta e pecadora. Não sei exatamente o que pedir no ano que vem, mas já tenho, desde já, o início da carta: "Meu querido Papai Noel".

Não preciso botar meu CEP que é longo: 22.471-003. Depois de mais este esforço de minha parte, acho que mereço, pelo menos, a esmola de um sinal.


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