Folha de S. Paulo


Os bons velhinhos

RIO DE JANEIRO - Pior do que acreditar em Papai Noel é não acreditar em nada. Por sinal, este é o caso em que eu me enquadro.

Afinal, a barra humana é dura de segurar e desde os tempos das cavernas que o homem apela para os papais noéis de circunstância.

Um a um, esses papais noéis foram desmascarados e restou, para alguns, talvez para a maioria dos homens, esse imenso Papai Noel que é justo e clemente, poderoso e universal, e ao qual devemos honra, louvor e glória e do qual devemos esperar a chuva e o sol, a vida e a morte.

A ideia de Deus foi burilada, copidescada em vários níveis e transformou-se em uma das alavancas que sustentam o homem diante do mundo e da vida.

Até aí, tudo bem, cada um tem o Papai Noel que merece.

O diabo é que os anos passam, passam os séculos, e ao contrário do Papai Noel, que a idade adulta desmascara com facilidade, a ideia de Deus persiste no coração e na mente do homem, como a única alternativa que o libertará do desespero e do nada.

Afinal, são duas ideias nascidas no mesmo forno.

A do bom velhinho, que toma conta das crianças bem comportadas e que, no final do ano, traz brinquedos para elas e a ideia do pai universal, que anota os copos de água que damos ou deixamos de dar e que preside –de acordo com as sagradas escrituras– a cada cabelo que cai de nossas cabeças.

São funções razoavelmente inúteis. Assim como seria desejável que Papai Noel desse de comer a todas as crianças que passam fome no mundo, também seria decente se Deus suspendesse por algum tempo os ditames de sua divina justiça e desse a todos os homens os mesmos direitos e deveres, dispensando-os de provar, dia após dia, a miséria que faz parte do nosso legado e da qual somos escravos.


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