Folha de S. Paulo


Horror ao voto

RIO DE JANEIRO - Aprecio tudo o que não sou capaz de ser ou fazer. No circo, fico pasmo diante da equilibrista, do engolidor de espadas, do trapezista e do mágico. Já os palhaços não me emocionam: sou capaz de fazer palhaçadas, algumas melhores do que as do picadeiro. Outras funções da humana faina também me deslumbram na medida em que sou incapaz de fazê-las.

Indo ao assunto: o problema das candidaturas. É evidente que gostaria de ser rei, papa, ministro, governador, prefeito, deputado, vereador. Toparia qualquer dessas funções se as recebesse de graça, sem ter que passar pelo estágio de candidatura.

Tenho repugnância da condição de postulante a qualquer ofício. Bastam as candidaturas a que, naturalmente, já me habituei: candidato a defunto, ao anonimato geral da eternidade. Mas ser candidato a qualquer cargo público, em pleito direto ou indireto, é um obstáculo que jamais removerei de minhas fraquezas e pânicos.

Admiro os candidatos que gastam os tubos para serem candidatos da República e, se não gastam os próprios, gastam os tubos dos outros, dos amigos e interessados. Um dia, acordam e pensam: "Se fulano que é uma besta já foi, por que não eu?".

A partir daí, é feita sumária avaliação de possibilidades, o sujeito vai em frente. Eleito ou não, passou pelo vexame de pedir votos, de empenhar amizades, cobrar fidelidades e serviços passados, futuros e imaginários.

No final, o salário compensa e o sujeito corre o risco de se eleger. De alguma forma, terá compromisso com os que votaram nele ou trairá este ou aquele eleitor. Ou todos.

Será como qualquer homem –função a que não se candidatou porque, não consultado, homem nasceu. E constato: se houvesse candidatura a ser homem, ainda assim teria repugnância a ser candidato. Preferiria ser bicho, metal, pedaço de âncora no fundo do mar.


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