Folha de S. Paulo


Um par de sapatos e um caderno

Outubro foi o mês, dos 18 em que venho analisando amiúde o desempenho da Folha, em que ela ofereceu em maior quantidade exemplos de como deve ser o procedimento do jornal impresso para ser relevante e útil ao leitor e à sociedade no século 21.

Em oito manchetes de capa, reportagens exclusivas sobre temas da mais alta importância, produtos de apuração autônoma, comprovaram como para informar bem é fundamental manter uma estrutura profissional competente, o que evidentemente não custa pouco.

No dia 8, o país ficou sabendo que o governo segurava a restituição do Imposto de Renda para melhorar seu fluxo de caixa.

A intensa repercussão decorrente fez com que seis dias depois o Ministério da Fazenda, após ter reconhecido o fato e dito que não ele implicaria prejuízo ao contribuinte, voltasse atrás e resolvesse quitar todo o devido, com poucas exceções, em 2009.

No dia 18, consumidores ficaram sabendo que vinham pagando fazia sete anos tarifas de energia elétrica além do que deviam. Nesta quinta-feira, as empresas admitiram a possibilidade de ressarci-los. Nos dois casos, o interesse material e imediato de milhões de brasileiros, não só os leitores deste jornal, estava em jogo e foi preservado, graças à prática de bom jornalismo.

Houve mais: no dia 14, os paulistanos souberam que a prefeitura planeja aumentar o IPTU em até 357%, e se quiserem podem se mobilizar para impedir a elevação. No dia 19, foi revelado que entre 2003 e 2008 as despesas com funcionários públicos paulistas subiram 19% acima da inflação até um total igual aos gastos das pastas da Defesa e Fazenda.

Na segunda passada, o jornal trouxe à luz dois projetos de lei que o governo federal quer mandar ao Congresso para ampliar seu controle sobre as atividades de mineração no país. Na terça, que obras do PAC no Nordeste estão atrasadas por falta de asfalto. E na quarta, que o programa Terra Legal, que visa regularizar milhões de hectares da União na Amazônia, está emperrando por boicote de fazendeiros e prefeitos e por uso de laranjas.

Todos esses temas são pertinentes na agenda pública. Ao levantá-los, o jornal presta serviço coletivo meritório, permite aos cidadãos tomar ciência de coisas que desconheciam e se organizar para lutar pelo que acham certo e justo.

É assim, e não repetindo com atraso notícias que todo mundo já sabia (Michael Jackson morreu, avião da Air France caiu, Rio foi escolhida sede da Olimpíada), que este jornal pode continuar sendo diariamente necessário para o seu público e vantajoso para a nação.

Não é fácil, pode ser perigoso, como mostra o filme abaixo indicado (que se baseia na vida real de uma repórter irlandesa), mas no fundo exige apenas o que o grande Anton Tchékov receita no livro recomendado a seguir para a produção de boas reportagens: um bom par de sapatos e um caderno de anotações (ou seus sucedâneos atuais).

PARA LER

"Um bom par de sapatos e um caderno de anotações", de Anton Tchékov, tradução de Homero Freitas de Andrade, Martins Fontes, 2007 (a partir de R$ 25,11)

PARA VER

"O Custo da Coragem", de Joel Schumacher, 2003 (a partir de R$ 16,90)


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