Folha de S. Paulo


Lições de um naufrágio coletivo

O caso Paula Oliveira, brasileira residente na Suíça que confessou ter se automutilado após denunciar suposto ataque contra ela por neonazistas, foi um naufrágio coletivo da mídia nacional.

Ninguém escapou da débâcle. Nem este ombudsman nem a maioria dos seus leitores. Eu não apontei erros na minha crítica diária do material do dia 12, quando o caso estourou.

Muitos leitores engrossaram o caldo das denúncias contra a xenofobia europeia com base nas falsas acusações. Alguns chegaram a condenar o jornal por "condescendência" com a polícia suíça quando a versão de Paula Oliveira já claramente fazia água.

Eu reconheço meu erro. Acredito que este seja o primeiro e indispensável passo para quem quer seriamente corrigir-se e melhorar.

Ele e o dos editores que avaliaram as primeiras notícias são sintoma de seriíssimo mal congênito do jornalismo, que vem piorando em proporções assustadoras com a impressionante escalada da internet no mundo.

O maremoto de informações que afoga o público e a competição insana entre veículos de comunicação em diversas plataformas para largar na frente dos demais multiplicou exponencialmente a sempre presente aflição dos jornalistas de apurar e chegar a conclusões rápidas e pretensamente definitivas sobre os assuntos.

A qualidade do trabalho jornalístico depende de uma mistura fina de velocidade, desconfiança, prudência, intuição, cultura, malícia. Cada vez mais só o primeiro item dessa fórmula é levado em conta.

Some-se a isso a necessidade de emitir julgamentos bombásticos e se tem a receita para o desastre total, como quando a Folha publicou em junho de 2007 na sua capa artigo de um leigo no assunto que fazia condenações peremptórias sobre a responsabilidade pelo acidente da TAM em Congonhas.

Antes de ter um jornalista próprio em Zurique, de ouvir o outro lado (no caso a polícia local), de checar com médicos e peritos se aqueles ferimentos podiam ser causados numa situação como a descrita, este jornal comprou o relato em segunda mão (via seu pai) de uma completa desconhecida como se fosse irrefutável e permitiu que comentaristas derivassem dele conclusões duras sobre as autoridades, a cultura e o povo de outro país.

O fato de a vítima real desse episódio não ser uma pessoa, mas uma nação, torna suas consequências menos dramáticas sob o aspecto da injustiça cometida. Mas se não se tomarem medidas drásticas para mudar esse padrão de comportamento, tragédias como a da Escola Base vão se repetir.

Era possível ter desconfiado da história desde o início. Tanto que uma leitora, Sylvia Moretzsohn, escreveu ao ombudsman na própria quinta para dizer que estranhava a simetria do desenho das iniciais do partido de direita suíço cujos militantes pareciam suspeitos do alegado crime.

Ainda não vi neste jornal o que alguns leitores pediram: um mea-culpa pela precipitação com que agiu, embora não tenham faltado em suas páginas censuras à falta de precaução de autoridades brasileiras, igualmente recriminável, por terem se atirado na aventura de reprovar um país amigo por crimes, afinal, ao menos neste evento, não cometidos.

Humildade para admitir falhas e disposição para dialogar sobre elas são imprescindíveis para o aprimoramento de pessoas e instituições.


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